A gata de galochas





“Apenas o dormir ou não dormir, o acordar e o nada a fazer, além de ficar na cama pensando sobre os meus pés e os pés de toda a humanidade. Eu, que nenhum talento possuo, que passarei pela vida sem ter cometido uma grande obra. Sem ser herói ou assassino”.
(Fernanda Young)


Provável que seja cisma de pisciana, mas não gosto de sentir meus pés desprotegidos na chuva. Aliás, não sou muito de ficar descalça, a não ser na areia do mar, esse dínamo.

Coisa que me assombra é ver a mulherada caminhando pela cidade molhada com sandálias de dedo. Que aflição! Elas se encapotam de casacos e calças como se estivessem no inverno em Toronto, mas deixam os pés de fora, como se fossem refratários ao frio que sentem nos braços.

Faço exatamente o contrário. Para os dias chuvosos, prefiro vestir camiseta com bota. Meus pés de sereia canhota não suportam ficar ensopados e sujos com a água da sarjeta.

Não pressuponham que eu não goste dos meus pés. Gosto até, não tenho nada contra. Eles estão cada dia mais parecidos com os pés de minha mãe. E sandália é o meu tipo de calçado favorito. 

Isso me faz lembrar do título do livro da Fernanda Young: “Vergonha dos Pés”, cuja personagem Ana é o alter-ego de todas as insanas que devaneiam uma existência de escritora. 

Sei que a maior parte das mulheres é alucinada por sapatos. Se pudessem escolher, seriam centopeias. Tenho uma irmã que já ultrapassou a marca dos 50 pares ao ano. Entretanto, meu furor consumista recai sobre brincos, anéis e artesanatos. 

Mas toda vez que chove, reparo no comportamento feminino brasileiro de manter os pés à mostra. Fico encafifada porque as outras gurias não são como eu. Por que elas não se importam com seus mindinhos salpicados de tempestade. Algumas chegam ao cúmulo de pegar ônibus de rasteirinha debaixo daquele toró. Aposto que aguentam mais de hora com os calcanhares encharcados até a longa volta para casa. Que incômodo!

Pior que pés grudentos ou gelados, só passar uma manhã de scarpin. Taí um estilo fatal que não me provoca nenhum tesão. Sem falar no imenso desconforto de quase todos eles. Mulheres são um cadiquim BDSM, não é verdade? Reconheço que são bonitos, altivos e aerodinâmicos, tipo assim carros de fórmula 1. Dá para compreender a fissura que causam, mas nunca fui ligada em design e desempenho de automóveis. 

Sapatilhas, somente as de balé. Tênis, apenas para fazer exercícios e viajar ao modo mochileiro. Tamancos, no way. Havaianas, na praia ou na piscina. O lance urbano é uma anabela ou um sapato-boneca. E botinhas descoladas. Porém, Brasília da sequidão e do calorzão costumeiros não é o lugar ideal para curtir sapatos fechados com meias. Por isso, o desconsolo acerca das beldades com pés nus ao temporal. Perdem uma rara oportunidade de reverenciar o clima de inverno.

Capaz que sejam as mesmas que se montam com botas de cano alto nos dias ensolarados. Mulher é um bocadim sadomaso, diz que não.


Comentários

  1. Eu até entento Lu , a maioria que anda de sandálias havaianas e pra não molhar os sapatos pra quando chegar ao trabalho poder enchugar os pés e calcar os sapatos , as botas , sapatilhas 👍

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  2. Eu sou do time das que adoram sapatos, mas, como vc, tb amo brincos.
    Gosto de acessórios mais do q de roupas.
    E pé na lama não rola! kk

    Andreya

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  3. Tamancos, no way kkkkk, me too! Nós mulheres somos esquisitas mesmo. Eu por exemplo, uso meia calça para ir trabalhar. Sou cearense, portanto acho o clima do recôncavo baiano favorável para usar meias. Minhas meias chamam atenção kkk. Jamais esquecerei do dia que uma aluna olhou minha roupa e eu fiquei aguardando um elogio. Contudo, ela disse: "A senhora tem coragem". Bjs Lu.

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  4. Não suporto molhar meus pés na chuva, ou qualquer poça d’água, mas é por conta da leptospirose mesmo.

    Juliana Cruz Brandão

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  5. De tudo que estranhei quando aqui cheguei, os dedos de fora a qualquer tempo me incomodavam... e hoje ainda... especialmente nos pontos de ônibus... mas acho que passa por não molhar os sapatos que seguem na bolsa.

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  6. Adorei o texto! Pensamos igual quanto aos pés molhados.

    Suely Touguinha

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