Banquete bom pra cachorro

Toda vez que a dindinha estava na fazenda era a mesma coisa: ela acordava cedinho, com o primeiro canto do galo, e já ia para a cozinha. Nunca vi gostar tanto de fazer doces e preparar almoços. Dindinha, oras, é a era minha madrinha, a dona Jandyra, capixaba criada no Rio de Janeiro. Lá do Espírito Santo ela trouxe os temperos da moqueca de peixe, com bastante cheiro. Do Rio, o jeito especial de cozinhar feijão preto com linguiça, paio, costelinha de porco: nossa deliciosa feijoada.

Mas, na fazenda, dindinha preferia preparar frangos caipiras assados ou ao molho pardo. Além dos doces, é claro. Num panelão, ela despejava o leite e o açúcar e mexia, mexia, mexia... Tanto tempo dedicado para a mistura ficar cremosa, cheirosa, lisinha. O legítimo doce de leite feito no fogão à lenha. Outro dia, ela preparava o doce de goiaba em pedaços. Doce de mamão verde e de banana também estavam entre as suas especialidades.

Quando era criança, gostava de ver minha madrinha em ação. Ela andava pra lá e pra cá na cozinha, inventando seus quitutes de dar água na boca, e eu só olhando. Só observando a alegria dela em passar o dia cozinhando para depois a gente comer e elogiar.

Mas no preparo do frango ao molho pardo, eu ficava com pena da galinha. Dindinha cortava o pescoço da pobrezinha com uma faca e deixava o sangue cair numa bacia. A galinha morria assim, perdendo todo o sangue do seu pequeno corpo. Era uma cena parecida com aquelas de filme de terror. Depois, o sangue era usado para fazer o tal do molho pardo. Esses adultos são mesmo espertos. É sangue, mas eles chamam de molho pardo para ficar mais chique. Todo mundo comia e pedia bis.

Num dia desses que a dindinha estava na Salta Pau, resolveu fazer dois frangos assados. Os preparativos começaram logo após o café da manhã. Primeiro, ela escolheu os frangos no terreiro e depois mandou a gurizada ir pegar. Era uma farra das boas. A gente correndo atrás da galinhada que fazia um barulhão daqueles.

    – Isso, pega esse pintadinho aí!, comandava minha madrinha.

Depois de meia hora de tentativas – como as galinhas sabem fugir da gente! – os frangos escolhidos iam parar na mão da habilidosa cozinheira. E eu acompanhava todas as etapas de preparação. Matar os frangos, escaldá-los em água fervendo para tirar as penas, limpá-los e abri-los para retirar os chamados miúdos.

Coração, moela, que é  o órgão que esmaga os caroços de milho que as aves comem, estômago, fígado, tripas (o intestino delas). Tudo tão pequenininho que não poderia ter outro nome que combinasse tanto: miúdos. Era uma verdadeira aula de anatomia galinácea.

Frangos assando... Aquele cheiro de comida gostosa no ar abria o apetite dos meus irmãos mais velhos e confesso que o meu também. Mas eu sabia que dindinha estava preparando aquele quitute para levar para a cidade. Ninguém ali iria saborear os assados da dona Jandyra. O destino deles era forrar outras barrigas de sorte.

Meu irmão Edu, que era mais moleque que todos os moleques juntos, resolveu que ia comer o frango de qualquer jeito. E minha madrinha, que também não era besta, estava de olho, vigiando, montando guarda na cozinha.

     – Puxa, dona Jandyra! Deixa a gente provar só uma asinha!, implorava meu irmão.

    – Não. Estes frangos são para a minha irmã. Eu prometi a ela, respondeu dindinha sem pestanejar.

Edu não se deu por vencido e insistiu até os frangos ficarem prontos. Mas nada. Dindinha não arredava o pé. Do forno, saíram os dois franguinhos assados mais apetitosos que eu já vi. Que cor bronzeada! Que cheiro bom! Deviam estar uma delícia. Todo mundo babando e nada de comer. Dindinha fingia que a gente nem estava ali. Saiu da cozinha e colocou a assadeira em cima de uma mesa que ficava no quintal. E continuou de olho na gente de maneira disfarçada.

Tanto olhou para a gente, tanto estava preocupada com meu irmão, que deixou de vigiar o cachorro Sabiá, nosso vira-lata de estimação. Dito e feito. Sabiá, que era esperto pra caramba, de mansinho foi se chegando, atraído pelo cheiro de carne apetitosa que ia longe e... crau! De uma bocada só, roubou um frango. O outro caiu no chão e ficou todo coberto de terra. Virou frango assado à milanesa.

Minha madrinha quase teve um ataque cardíaco. E nós tivemos foi um ataque de riso. Bem feito para a dindinha deixar de ser pão-dura!

E Sabiá lambeu os beiços de satisfação com o maior banquete da sua vida.

Comentários

  1. Responda rápido, Luciana: o que é mais gostoso? As comidas que Dona Jandira fazia ou a lembrança que você tem hoje?

    Essa foto que tá aí no fundo é de lá? Da Salta Pau alagada?

    Beijos.

    Valdeir Jr

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. As duas coisas, creio, querido primo. As duas memórias são deliciosas... Saudades imensas do feijão preto de sábado da minha Dindinha. Ela fazia especialmente para mim. Sorte do Bernardo ser meu marido e poder tirar essa lasquinha!!! KKK!!

      Saudades alagadas da fazenda da minha mocidade... Nunca mais verei aqueles verdes campos, o lindo rio Corumbá e a cachoeira, que salvei em foto.

      Não, não é da Salta Pau alagada. Nem tenho coragem de tirar muita foto daquele "maldito" lago! Essa é da Serra da Mesa.

      Beijão,

      Lulupisces.

      Excluir
  2. Ei Luzinha!

    Já tive o prazer de ler esses textos sobre as minhas, as suas, as nossas peraltices, vc me mandou pelo correio no ano de...(deixa prá lá)lembra? E estão aqui até hoje, guardadinhas comigo. Agora tenho o prazer de relê-las. Tô doida prá chegar na "minha" parte, quando apareço na história...rsrsrs.

    Por que não posta fotos antigas da fazenda? Não devem ter muitas né, mas eu iria adorar vê-las, com legendinhas saudosas escritas por vc. Inclusive pensei: acho que nunca vi uma foto da Luzinha criança, mas criança mesmo, primeira infância. Vc tem ou ninguém tirava foto naquela época? rsrsrs.

    Eu tenho uma foto da cachoeira, eu em cima do cavalo (sua mãe comentou que a foto tinha ficado bonita, pois o cavalo estava balançando o rabo... eu lembro disso!). Acho que foi o cavalo do qual nós caímos uma vez, ele empacou no mataburro e vc me pediu prá pular, eu não tive coragem, lembra? Fomos as duas ao chão! Quando caí, fiquei mexendo as minhas pernas prá ver se eu não tinha ficado paralítica! rsrsrs. Ficou um climão horrível entre nós, mas que logo foi embora, com os ventos fortes da nossa amizade. Vc me perdoou, né? rsrsrs

    Beijos,
    Patty

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Pattgirl,

      já estava sentindo sua falta aqui no blog, minha amiga!

      Sim, eu tenho fotos de infância. Várias até. Fui a única privilegiada aqui em casa com álbuns cobrindo muitos anos de peraltices. Fotos eram caríssimas, recorda? Meus irmãos mais velhos têm pouquíssimas.

      O problema é que preciso escaneá-las, digitalizá-las para poder colocar aqui no blog. E o tempo? Mas acho que há alguma da cachoeira em modo digital... Vou dar uma checada.

      Lembro muito desse nosso tombo, mas não lembrava aonde ele havia acontecido. Eu sempre tive tão pouca paciência com as diferentes velocidades pessoais, né? Ai, que horror!!!:)

      Desculpe-me pela minha intolerância. Venho trabalhando nela há uns dez anos, pelo menos. Se você estivesse ao meu lado hoje, Patty, nem iria me reconhecer mais!!! KKKK!!

      Beijão pra você, minha doce companheira de aventuras fazendísticas inesquecíveis!!

      Lulupisces - Luzinha.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos