Chá verde com hibiscus
“Penso no paraíso e fico noites em claro.”(Jandira Costa)
Com quantas coincidências se tece uma conexão? Se for telúrica, são muitas, expressas e subjacentes.
Antes de mais nada, o nome. Nomes são gatilhos para sentimentos de afeição ou de repúdio. Ela se chama Jandira. Imediatamente a estimo, posto vir a ser xará da minha madrinha, que assinava y no lugar do i.
Ela passou dos setenta e, como minha sogra, habita a mesma superquadra da Asa Norte há mais de 20 anos. Acordam e sonham em apartamentos de igual metragem. Ambas guardam a cicatriz desconforme da ausência de um dos seios. Ambas são sobreviventes, pilares, matriarcas.
À primeira vista, pareceu-me experimentar a oportunidade perdida de encontrar Hilda Hilst. Cada frase que Jandira falava era um verso, uma inteligência, um relâmpago de feminilidade viril. Posso te chamar de Lulu? eu gosto de Lulu. Podia ser Lua também. Eu amo a Lua. Claro que pode, hoje eu assino LuA em vários lugares, pois sou Luciana Assunção. Não é possível!
O pretexto era o escambo de nossos livros. Acabamos por intercambiar segredos que, ao final, dá no mesmo. Crônica e poesia são gêneros confessionais.
Jandira tem dois filhos como eu. Um deles se chama Rodrigo. Tenho um sobrinho chamado Rodrigo. Nina é o nome de uma de suas netas. A irmã de meu marido se chama Nina. As sincronias pipocavam a cada revelação: meu filho é luthier. O meu toca clarinete. Meu filho mora na 25 do Park Way, para as bandas do aeroporto. Acabamos de comprar um terreno na 24 do Park Way, para as bandas do aeroporto. O editor do meu único livro, Tomaz. Não pode ser, o meu primogênito se chama Tomás. Como s ou com z? Com s.
Não acredito que você tem um filho chamado Rômulo. Já imagino a loba. Morei na Itália, Turim.
Mas você não gosta de Brasília? Gosto, mas quando cheguei e vi esse tanto de horizonte livre me perguntei: como vou lidar com os meus altos e baixos?
Paraibana de nascimento, carioca apaixonada, gatos e o cão Piolho, Pi, que gostou de mim e vice-versa. A vida dela estampada na parede repleta de fotos, quadros, desenhos, bugigangas. São meus corações pregados, disse. Entendo, a minha casa apelidei de museu do artesanato. Havia um piano, mas não deu tempo de saber a história dele (ainda).
Ríamos espantadas com o novelo de conjunturas. A geminiana e a pisciana a enxergar anjos traquinas arquitetando planos. De fato, obra do gatuno poeta André Ricardo o encontro de tantos séculos, desenrolado em um fim de tarde ao sabor de uma xícara de chá verde com hibiscus.
Fica muito vermelho assim por causa deles, explicou. Acho que estava vermelho assim por causa da reação química instantânea entre duas mulheres a reconhecer a gemelar inquietação existencial.
Eu fico feliz em juntar peças raras. De mosaicos que a vida permite. Faço-me presente só de imaginar. Não precisamos vencer a distâncias entre cidades, mas entre pessoas. Algumas já nascem prontas para a conexão. Só precisam de uma ajudinha. Feliz aqui (com o belo texto também).
ResponderExcluirAndré Ricardo Aguiar
Obrigada pelo texto. Lindo. Sem dúvidas, tens o dom da prosa . E
ResponderExcluirComo precisamos destes chás de proseios!!
Aline Cardia
Bela prosa!
ResponderExcluirMaria Félix Fontelle
Que especial esse encontro! (Ou seria reencontro, teluricamente falando?)
ResponderExcluirDébora Cronemberger
Lindo!!! Mas só um parênteses... qualquer ser feliz se identifica com você. E vice e versa.
ResponderExcluirRaquel Verano
Que história linda!
ResponderExcluirVirgínia Pozzatto
Só orgulho da forma como você escreve. Com muita sensibilidade nas palavras.
ResponderExcluirLeila Brandão
Adorei! Me lembrei da Cecília Meireles escrevendo sobre duas velhinhas tomando chocolate.
ResponderExcluirKarla Liparizzi
As duas velhinhas
Duas velhinhas muito bonitas,
Mariana e Marina,
estão sentadas na varanda:
Marina e Mariana.
Elas usam batas de fitas,
Mariana e Marina,
e penteados de tranças:
Marina e Mariana.
Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.
Uma diz: "Como a tarde é linda,
não é, Marina?"
A outra diz: "Como as ondas dançam,
não é Mariana?"
"Ontem, eu era pequenina",
diz Marina.
Ontem, nós éramos crianças",
diz Mariana.
E levam à boca as xicrinhas,
Mariana e Marina,
as xicrinhas de porcelana:
Marina e Mariana.
Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.
Cecilia Meireles (Rio de Janeiro, 1901-1964)
Total sincronicidade!!!que encontro feliz☺️💕
ResponderExcluirQue texto delicioso, que sincronia! A vida é isso.
ResponderExcluirBjcas,
Renata Assumpção
Coincidências. Excelente.
ResponderExcluirComo são bons esses encontros!! Uma coisa que a pandemia tem me ensinado: "Quando me chamarem, eu vou!". Beijos amiga e parabéns pelas harmoniosas palavras!
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirRegina Vieira
Ahhh que delícia de encontro e de texto 🤗
ResponderExcluirQ legal! Eu demoro mas leio tudo.
ResponderExcluirRoberta