Ternura mamífera

21 era o número da casa assim como o número de gatos (quase). Isolda, Marta, Murilo, Jonas, Rute - tão franzina -, Wanda Samyra, Euzébio, Ernesto (Tinho), Zé das Gavetas etc.e tais…

Uma casa comprida, vazada e recortada em muitos cômodos como eram e ainda são as moradas daqueles interiores do Brasil de dentro.

Ali, no vale do Rio Vermelho, nos escondidos de Goiás, os corações também são vermelhinhos. Estrelas vermelhas se espalham em canecas, telas, camisas, livros. Gatos por todos os lados na vida militante de Ana e de Fábio, numa harmoniosa república esquerdista humana e felina.

No balaio do quintal, filosofia, cozumel, churrasco, violão, chuveirão, gatos malhados, embolados, tricolores, caramelos, pequenos, grandes, ariscos, contidos, afáveis. Papos utópicos, sorrisos desmedidos, piadas e desabafos. Na cozinha confusa, ovos mexidos, revueltos. Paella e strogonoff se articulam no cardápio político.

Bichanos semi encobertos por almofadas, tombando os cestos, embaixo das mesas, à porta do banheiro, dentro das plantas, das palavras. Sentimentos de mundo e de aldeia. Calor humano e terroso da cidade dourada de rústicas pedras, dos musgos nas frestas, de sol abrasador que se alivia com um sorvete duplo na praça do coreto.

Belezura de casarios entre luz e sombra. O céu, moldura formosa, estalando límpido. Pegar as ruas em sonolento despertar. Cachorros vadios, silêncio e placidez nos espaços estreitos e vazios dos becos. Janelas dorminhocas, centenárias e rugosas. Muxarabis convidam ao mistério.

Um gato no muro observa mais uma manhã na sua natural consciência. Sinto vontade de ser pata e parte nesta cena de ternura mamífera. Na terra de Cora, a vida não corre.