Iodo

Ausente e lassa, queria 

estar pisando 

a areia fina de Arraial do Cabo, 

a areia grossa de Amaralina, 

em Goiás Velho urdir a tarde 

com Bernardo Elis e Cora Coralina, 

farejar 

cheiro de candeia por toda Ouro Preto… 

mas estou presa à molduras de todos os meus retratos. 

(Limite – Olga Savary) 


Busco o mar fora do mar, como Dorival Caymmi, que não sabia nadar e nunca enfrentou a lida dos pescadores além dos arrecifes. Prefiro observar o mar a entrar no mar, aos moldes de Neruda, que construiu duas de suas três casas-poemas com vistas privilegiadas do oceano pacífico.

O mar me habita, mas não passo de uma fingidora. Não sou poeta, não sou contista, não planejo romances. Amo o mar como o amo as palavras, próxima, porém distante. Sereia trôpega, mal flutuo. Canhota, anjo torto. Tropeço nos mesmos temas e obsessões. Ondas de ideias vêm e vão. Desértica e marítima, persigo o abissal, contudo, morro na praia.

As metáforas não passam de espuma. As algas? Nem sequer alcanço, quiçá, as profundezas dos que vivem e enxergam no breu. Enquanto cato conchinhas, rabisco na areia. Arranho a superfície áspera dos sentimentos.

A brisa iódica me fervilha. Aspirar o elemento volátil, engolir em seco, pulsar a glândula na garganta com a energia vital da criação. Fundamental é a sutileza do equilíbrio. Sem carência, tampouco sem abundância. O sal é um tempero delicado. As rimas também. As prosas, então, correntes traiçoeiras: vórtices sob a prancha, branca página.

Há que ser surfista habilidoso ou mergulhador experiente para alcançar a dimensão líquida do texto, o prazer revolto do mar aberto. No momento, miro, inspiro, transpiro. Molho os cambaios pés, assustada, e retorno ao cerrado nativo do planalto central.


Comentários

  1. Lindo e sensível!

    Renata Assumpção

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  2. Ahhhh amiga, seus textos são para mim um mergulho profundo no mar da alma, fazendo-me sempre refletir tantas coisas! Uma viagem deliciosa embalada por seus versos e a sensação de flutuar pela imaginação.

    Mônica Torreão

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  3. Humm, tem texto bom aí!

    Ana Cristina de Aguiar

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  4. Eu gosto muito dos seus textos, me parecem leves, refrescantes até...rs

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  5. Enquanto lia seu texto, me passou pela cabeça a seguinte pergunta: você sabe nadar?

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    Respostas
    1. Sim, sei, dear Evelyn. Mamãe me obrigou a fazer dois anos de natação. ;)

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  6. Uma linda poesia de modéstia e sensível tato.
    Parabéns!

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  7. Uau! Que texto bonito, profundo e complexo! Metáforas que parecem peças de quebra-cabeça que se encaixam e formam o todo de maneira graciosa!

    Karoline Simões

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  8. Lindíssimos, o texto e a autora!

    Claudia Boudrini

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  9. Até o dia que o cerrado virar mar.

    Anna Luiza Lima

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  10. Nossa, LuA!!! Seus textos são encantadores!

    Luciene

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  11. Muito bom! De Goiás para o mar. Você, pra mim, realmente parece muito pé no chão. Mas os olhos vão longe.

    Karla Liparizzi

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  12. Amei o seu texto. O contexto nos leva a levitar neste mar que habita em mim.

    Maria Belém.

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