Boreste
O barco, ainda que ancorado no meio do lago, não permite a imobilidade. Primeiro, flutua. Ação estoica e altiva para um ente com tamanho peso.
O barco não se conforma com a âncora que lhe tolhe. Faz rotações em torno de si. A popa vira proa e vice-versa.
Se o observador fechar os olhos por átimos, captura outro ângulo. Um barco, portanto, é sempre proparoxítono: átomo e tônico.
Pancetti deve ter enxergado a impermanência quando movia os pincéis de sua arte na areia das enseadas.
O barco, ainda que domado, não permanece estático. Ele sabe que o único destino é navegar.
Nem naufragado o barco é morto. Torna-se casa de peixes. Conta uma história de terror.
Por isso, enquanto se revela e se rebela sobre as águas, à espera de singrar no boreste, o barco emite sons fantasmagóricos.
Seres imperceptíveis a olho nu cutucam o casco. Gnomos de guelras batem os pés na quilha sob a lâmina aquática.
Tu, qtiz, clim, grum. Barulhos irreproduzíveis no abecedário dos humanos, capaz apenas de ouvi-los como um mantra de assombrada quietude.
É na tensão entre a custódia e a liberdade do barco, que as sereias ficam alertas: instante no qual decidem se o encantam ou se o ignoram.
Barcos são intrigantes e instigantes... São uma espécie de pequena ilha em movimento... Casa e transporte ao mesmo tempo. Os pés ficam no barco, o olhar no horizonte.
ResponderExcluirNazareth Pinheiro
Texto excelente!
ResponderExcluirMaria Helena Andrade
Belo texto.
ResponderExcluirCynthia Chayb
Será que um dia ainda terei um barco?
ResponderExcluirRodrigo Chaves
Muito bonito.
ResponderExcluirMarcelo Parise
Um dito antigo no meio náutico é: "não existe esposa que não goste de velejar, existem ex-esposas".
ResponderExcluirAndré Torres
Original! Gosto de coisas assim.
ResponderExcluirSocorro Melo
Gostei particularmente deste!
ResponderExcluirThalynni Lavor
Que transparente foi a metáfora para mim... Texto muito gostoso, Lulupisces!
ResponderExcluirJuliana Tavares
Puxa, Luciana... que texto! E as onomatopeias? Adorei! Um brinde à você.
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Adorei! Impressionante a vontade das pessoas de perseguir o pessoal do sexo no lago, ao invés de deixarem cada um na sua. Rsrs. Sempre bom receber seus textos de presente.
ResponderExcluirBeijos, Lu.
Érika
Bonito...
ResponderExcluirMaria Félix Fontele
Adorei! Eu não gosto de barco, enjoo, mas o texto é ótimo!
ResponderExcluirAna Claudia Loiola
Muito legal...tenho várias fotos de barcos....uma coisa que gosto de fotografar....e como no seu conto...de todos os jeitos...no mar, vázios, com gente, como parque de diversões, encalhados, abandonados....
ResponderExcluirSebastião
Lindo texto! Ah, eu adoro esse som que o barco faz quando está "parado". Gosto também de pensar nele como uma ilha que se move, uma pequena casa que abriga e transporta.
ResponderExcluirNazareth Pinheiro
Você arrasa!
ResponderExcluirDébora Cronemberger