Na tarde morna
A luz de inverno que adentra o quarto sem pudor e tento minimizar com a cortina para que não empalideça a cor do taco ou da mesa de cabeceira.
É a mesma luminosidade de fim de julho, começo de agosto, quando esperava, com a barriga imensa e incômoda, o meu segundo e último filho. Disso eu tinha certeza: de que seria o derradeiro.
Por isso decidi que seria imprescindível prestar atenção em cada detalhe dessa gravidez e dessa criança recém-nascida.
O segundo filho, assim, ganhou em poesia o que o primeiro obtivera em espanto e em preocupação.
A luz me traz recordações. Memórias dos seios expostos ao calor do sol para evitar a umidade excessiva das primeiras mamadas.
O bebê peladinho num banho dourado para evitar icterícia. Lembro como hoje as tardes densas de solidão maternal.
Na segunda vez é mais fácil saber que tudo passa. Então tudo precisa ser mais urgentemente registrado nas gavetas sentimentais.
Agora, de certa forma de novo só e presa no quarto, por motivos menos esperançosos do que os sagrados olhos de um bebê, reviver a luz vespertina com aquela chama de amor é imperativo.
Retorno para ela, me deito na cama, que é outra, e tenho pensamentos mornos e acres como o leite materno que fluía de mim, e fazia vingar a robusta cria.
Mas também tenho pensamentos mórbidos e dilacerantes: a vida de minha mãe fluía dela, no momento em que a minha florescia, e fazia crescer apenas o espaço absoluto da orfandade.
Por que a existência pressupõe dualidade?
Lindo Luciana! Como todos os seus textos.
ResponderExcluirNo fundo, apesar da dor da distância, sabemos que essa dualidade nada mais é do que continuidade. Passamos bastão que um dia nos foi passado. E a corrida da vida continua. Injusta talvez aos nossos olhos egoístas, mas é assim né...!?
Nelson Reis de Albuquerque
Mal consigo comentar com o nó na garganta.
ResponderExcluirRe Osório
Emocionei Lu! 💞
ResponderExcluirEmocionei Lu! 💞
ResponderExcluirMissão de mãe:amar. Excelente.
ResponderExcluirLindo! A poesia em suas palavras são luz! Como essas emoções estranhas podem ser tão belas e trazer tanto prazer numa leitura?!! Lindo, Lu!
ResponderExcluirEsse teu texto é comovente, Lu, não tem como a gente não se emocionar... Principalmente nós mulheres, mães e filhas... Parabéns!!!
ResponderExcluirLembro sempre tb que no nosso encontro de final do ano lá na igreja mesmo, vc tirou o anjo do nascimento lembra?! E vc já estava gestando o Rômulo (ou seria Érico?). Lembranças.
Cynthia Chayb
Lú, irmã amada!!
ResponderExcluirEmocionante, fundo e ao mesmo tempo, terno...
Percebo um amadurecimento em sua alma, uma percepção mais fina de tudo...
Seus textos são belos e esse foi especial...
Nossa mãe, em seu sofrimento atroz e fim inevitável, estabeleceu dentro de sí, que acompanharia sua gravidez e pegaria no colo, seu neto Rômulo...
E assim foi...
Amo você!
Marilena Holanda
Que lindo texto! Quanta poesia, quanta nostalgia nele. Que bom poder ler essas coisas em um momento em que tenho lido somente processos nojentos.
ResponderExcluirAna Claudia Loiola
Só o fato de podermos ver a luz já é tão bom, né, miga? Senti-la, então, nem se fala! Presentes de Deus. Love you!
ResponderExcluirMárcia Romão
"luz vespertina com aquela chama de amor é imperativo" Como és poeta, minha amiga! Acho que nem sabes o tanto.
ResponderExcluir"Por que a existência pressupõe dualidade?" Porque é existência, minha querida. E a existência pressupõe incio e fim, luz e escuridão, sim e não, nascer e morrer. Acho que certamente você deve conhecer, mas mesmo assim compartilho contigo um conto da Clarice que me ensinou muito a respeito dessa dualidade, que é tão difícil da gente entender, ou melhor, aceitar.
Karla Mello (Confraria do Vento)
Muito legal, Luciana.
ResponderExcluirPaulo Magno
Lindo!
ResponderExcluirClarice Veras
Muito lindo. É a vida que segue. Se não fosse o amor, como conseguiríamos?
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Os ciclos da vida...
ResponderExcluirQuando entendemos que são normais e infinitos, tudo fica mais fácil!
Ouroboros... O eterno recomeço.
Rodrigo Holanda
Que lindo. Me causou emoções antagônicas.
ResponderExcluirRenata Assumpção