Ortografia enfeitiçada

Afeita ao metafísico, fã de anjos, crente nas conexões telúricas, ardorosa incentivadora dos mistérios. Sou um prato feito para cair de patinho nas teorias conspiratórias. E pior: propagá-las sem remorso. É exatamente o que vou fazer agora. 

Suspeito que o corretor ortográfico dos nossos espertos celulares foram criados por mentes diabólicas. Analistas de perfis mais maléficos do que os da Cambridge Analytics, um grupo formado de psiquiatras e de psicólogos freudianos, junguianos, lacanianos, recrutados ao redor do planeta (maldita globalização!), de várias nacionalidades e que atuam sob codinome, para expor, nos textos despretensiosos, desavisados e quase sempre apressados que digitamos, o que mais de profundo esconde nossa psique. 

Não é de hoje que venho percebendo essas revelações dos estados de alma por meio da troca da ortografia e, com ela, dos significados. Você escreve o que quer dizer, porém o corretor apresenta o que jaz sob a superfície das intenções. O corretor diz tudo o que você de fato queria extravasar, tipo assim aquela letra do Gonzaguinha:

Chega de tentar, dissimular e disfarçar e esconder

O que não dá mais pra ocultar

E eu não posso mais calar

Já que o brilho desse olhar foi traidor

E entregou o que você tentou conter

O que você não quis desabafar

E me cortou

Visionário o cara, hein? Ele nem chegou a conviver com os corretores de texto digitais, porém fez a mais perfeita descrição desse mapeador das psicoses do século 21. Talvez Gonzaguinha seja como Raul Seixas, seres extraterrestres evoluídos (eles são sempre mais evoluídos do que nós, humanos, mundanos, mesquinhos). MIB explica.

Eu gostaria de haver feito soar o alarme mais cedo, caros amigos. Deveria ter catalogado todas as evidências, todavia, como uma legítima personagem secundária de um enredo sombrio, guardei para mim as minhas suposições até então, com medo de vir a ser mal interpretada. Não queria passar de bolsonarista, adepta das fake news. 

Peço desculpas se faltou coragem, contudo vocês agora estão a par. Já sabem que devem tomar todo o cuidado possível na hora de escrever qualquer mensagem, pois cada uma delas poderá ser enviada com uma troca precisa que pode entregar você, de bandeja, para o inimigo. Se for um comunista? Pronto, a ruína está posta.

A última que me ocorreu, só para vocês comprovarem que o que digo é a mais pura observação da verdade, se deu assim: 

Por isso, resolvi sair do gabinete. Não dava para esperar o fim da pandemia, algo que parece não ter fim. Estou desligada a partir de hoje. Fico triste e aliciada ao mesmo tempo.

Notem que o corretor captou o que eu tentava ocultar. Escrevi aliviada, mas ele trocou para aliciada, sensação que me consumia mergulhada no submundo do tráfico de drogas e da violência contra a mulher no qual me encontrava naqueles relatórios e votos à espera de revisão. 

Atentem-se como Inescrupulosos cérebros colocam a gente em assombrosas transações jamais vistas. 

O corretor capta nosso subconsciente. As imagens subliminares se tornam palpáveis ao receptor. Atos falhos (e fálicos) desmascarados, às vezes, diante de grupos inteiros! Por que vocês acham que o verificador de texto também é chamado de spell check? O feitiço está claríssimo, caríssimos!

Tá dado o recado. Quem avisa amigo é.