Estio


Céu sem dúvidas

resoluto

completamente seguro de sua imagem

com lugar de fala genuíno entre os seus pares.

Abóbada celeste igual a do planalto central

não há.

Azulíssimo teto sobre a mesa maciça de rochas sedimentares

mais antigas de Gaia:

almoços ao ar livre sem previsão de chuva.




Viagens semióticas

Os dilemas da arte na era da reprodutibilidade técnica. Walter, o Benjamin, ficaria ou não espantado diante da própria genialidade nostradâmica? Com os celulares, a arte está ainda mais vazia de sua autêntica aura. Tudo pode ser ou não ser ao mesmo tempo, a história é escrita com imagens cada dia mais fluidas, retocadas, “filtradas”. Nada e tudo é ou não é o cachimbo de Magritte. Resta-nos flanar sobre os fragmentos.


Não existem mais segredos que não possam ser revelados com um celular à mão. A destruição da aura do objeto de arte, pela sua reprodução mecânica, afeta a originalidade e retira das cenas mundanas o invólucro sutil de sua poesia existencial.

O processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que os cliques e vídeos possibilitam ao artista fazer com que sua arte esteja disponível instantaneamente a milhões de apreciadores, detratores ou indiferentes. O olho humano ganhou capacidades de enxergar além do natural. O próprio artista também perde a sua unicidade, uma vez que todos agora são capazes de “produzir arte” falada, cantada, escrita, “pintada”, encenada.

No entanto, a reação imediata dos consumidores da avalanche de mercadoria artística talvez seja o que não se pode, paradoxalmente, formatar ou editar. O produto cai no mundo e o mundo regurgita na mesma velocidade da luz. Nada fica incólume, para a alegria e para a frustração tanto do emissor quanto do receptor.

Dias atrás, a pretensa artista que vos escreve postou a seguinte fotografia no Instagram, atividade banal que se repete até por várias vezes num espaço-tempo de 24 horas. A fúria pelos segundos de fama (15 minutos já me parece totalmente obsoleto nesta corrida pelo fugaz enlevo de likes-miojo)


Na pista, a foto não mais diz respeito ao indivíduo que primeiramente a captou, muito menos à infinda probabilidade de interpretações que aquela imagem retida suscita.

“É só uma cebola”, dirão alguns, o que nos leva ao cabal poema de Adélia Prado:
"De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo".

“Amo suas manifestações artísticas de todos os momentos do cotidiano”, dirão outros.
E seguimos adiante, reconfortados até as próximas manifestações de apreço ou de desdém.

Na terra-de-ninguém virtual, bilhões passam, centenas passarinho. Separar o joio do trigo é uma das mais sísifas tarefas humanas.


Comentários

  1. Ô Lu , vc é porreta, como se diz lá na Bahea🤗 amei 💕💕só tive que fazer a tradução da escrita da foto do cachimbo, e da palavra “sísifa”😂😂😂🥰
    Cynthia

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  2. Muito bons textos , Lu . Escolha das palavras muito certeira ! A sua caixinha de palavras parece a bolsa da Hermione do Harry Potter 🤣🤣

    Karla Liparizzi

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  3. Na terra de ninguém virtual, zilhões passam, centenas passarinho. Separar o joio do trigo é uma das mais sísifas tarefas humanas.
    👏👏👏👏

    Ângela Sollberger

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  4. Belos textos, poeta!

    Madalena Rodrigues

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  5. Inteligência Artificial nenhuma escreverá como você, vizinha!!! Elas não têm a mesma sensibilidade e singularidade!

    André Fachin

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  6. Comentário maravilhoso sobre você, acima: "A sua caixinha de palavras parece a bolsa da Hermione do Harry Potter" É isso! kkkk Sua linda!

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