Dá match



Prosa poética ou poesia prosaica? Escrevo o cotidiano. A crônica seria o caminho natural para uma jornalista. Acontece que fui primeiro publicitária e os jogos de palavras, a sonoridade dos jingles, as sacadas, as frases curtas de efeito, a criatividade e a ludicidade são um maná. 

Daí vem o poema. Das cenas que vejo da janela do carro, do apartamento, das salas de concerto, do céu de Brasília, do cerrado entortado, das road trips, das vivências norte-americanas, da maternidade de uma dupla de gajos.

Tenho um filho clarinetista... Uma irmã mais velha que também tocava o instrumento. Sempre fui fascinada pela aura desses objetos sagrados. Aliás, não tenho nada de iconoclasta: adoro imagens e igrejas.

Cresci na roça. Minha relação com a natureza goiana matuta é ancestral. Por isso, Cora. Mas meu estado de espírito é mineiro. O barroco me comove às pencas. Por isso, Adélia.

O lado ranzinza e sarcástico se identifica com Quintana. E a personalidade melancólica e descrente da humanidade com Drummond. A faceta redatora descolada é toda de Leminski. E a rebeldia existencial comungo com Ana Cristina César.


Às vezes, lá no fundo, sou romântica e profunda como Dickinson, mas prefiro ser arisca como Maria Lúcia Alvim. E simples (não simplória) como outra Maria, a de Lourdes Horta. As cores eu pego emprestado de Cecília. A morbidez, de Poe.

Uma amiga me disse que tenho processo de criação parecido com o do Arnaldo Antunes. Que chique! As tais brincadeiras com os nomes das coisas, com os opostos, sinônimos, chiaroscuros e aliterações são viciantes.

Uns acham que mando melhor nas poesias; outros, nas histórias do dia-a-dia. Há, inclusive, alguns (poucos, de fato) que afirmam que eu já estaria pronta para escrever um romance.

Enquanto a iluminação não vem, sonho em seguir os passos de Lygia Fagundes Telles e de Patrícia Melo. Clarice, nem sequer me atrevo. Guimarães e Deus, inatingíveis.

Mas seria supermegablaster mesmo se eu fosse um pouquinho Eva Furnari, um tantim Ruth Rocha ou metade Lygia Bojunga. Tenho síndrome de Peter Pan: não resisto a uma infância ilustrada.




Comentários

  1. Ruth Rocha, Lygia Bojunga está perto pela sua aura de Peter pan. Clarice falta porque você não tem a intensidade melancólica dela…
    Guimarães falava muitas línguas. Muito vem da brincadeira com o idioma!

    Catarina França

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  2. 👏👏👏vc é tudo isso e única ao mesmo tempo…muito bacana vc se ver espelhada na essência de seres tão tão 💕💕por isso mesmo única…terapeutizada poeticamente, adorei , como sempre!!!🙏🥰
    Cynthia

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  3. Oi Lú, que legal que vai participar da Flip! Mauro Munhoz, um dos idealizadores da Flip, que comanda a Casa Azul a Ong que ajuda a organizar o evento, é amigo do Romeu de longa data e também fazem parcerias.
    Muito legal sua crônica, Ruth Rocha foi diretora da Mariana no Colégio Rio Branco.
    Arnaldo Antunes e João Gordo frequentavam a ACM de Pinheiros era uma dupla e tanto, nos divertimos muito com os dois um louco de tudo, outro mais sério, mas ambos muito simpáticos e receptivos. Bons tempos.
    Seus textos sempre aguçam minha memória.

    Renata Assumpção

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  4. Bom dia. Esse exercício me pareceu tão instigante e revelador quanto àquele da playlist da vida.
    Não sei se consigo.

    Valdeir Jr.

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  5. Maravilhoso, além das dicas ❤️

    Marisa Reis

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  6. sempre bem humorada, leve, gentil nas referências. Gostei muito.
    😉
    Cristina

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