Albatroz
Para Dani, Kênia, Pati e Karol, hábeis e amáveis instrutoras de voo
No princípio eram os dinossauros. A bíblia não menciona a existência deles, mas não havia paleontólogos naquele tempo de temores desérticos.
De fato, espantam demasiado aqueles bichões, ossos monumentais. Às vezes é mais fácil acreditar que Deus criou o mundo em sete dias do que uma explosão tenha sido capaz de gerar animais gosmentos, que evoluíram para animais bizarros, que evoluíram, evoluíram, evoluíram até chegar no mais monstruoso de todos eles: nós.
Falo por mim. Primeiro era desenvolta e ágil como uma típica primata. Gabava-me de haver aproveitado uma infância aventureira em cima das árvores, dos cavalos e dos telhados. Nenhuma fratura em dezenas de tombos. Esqueleto forte, nutrido com leite de curral.
Veio a maternidade. Cálcio e tutano se foram na alimentação dos filhotes. Na casa dos trinta, bastou uma única queda da bicicleta - aos moldes de tantas já levadas - para quebrar a articulação do cotovelo.
Daí em diante, dei uma rasteira na seleção natural: a macaquinha virou tiranossauro-rex. Jamais poderia escalar galhos com desenvoltura novamente, pois o bracinho encolhera-se junto ao corpo. Codinome Horácio a passar horas em sessões de fisioterapia (atualmente pega melhor ser reconhecida como herbívora entre a minha espécie).
A questão metafórica também é importante: o verde do alface empresta esperança a um futuro de artroses. Sem falar que mantém o peso após os 40, quando você almeja pernas de seriema e não os coxões do alossauro.
Falando em aves, sofri um salto evolutivo considerável na década dos 50, graças a um duplo twist carpado na modalidade solo. Confirmei a minha natureza avoada: tornei-me um albatroz (os detratores dirão que sigo jurássica, pteranodonte).
Gosto de imaginar ambos os cotovelos titânicos e cambaios a envergar longevos e panorâmicos sobrevoos oceânicos, ainda que, em terra firme, os braços se comportem como asas desengonçadas.
Há que se pensar no infinito e más allá, mesmo aos trambolhões. Abomino a involução.
“Take these Broken Wings
And learn to fly again, learn to live so free…”
Conciliar a visão bíblica criacionista é um desafio para qualquer treinado na visão filosófica, sofística logo baseada no mito. O cérebro é incrível e sentimos falta da cor da vida perfeita que temos em nós. Não foi por isso que procuramos ser amigos do saber. Claro, porque nos fizemos inimigos dela. Eu, a sabedoria estava quando foram os fundamentos da terra.
ResponderExcluirSensacional, minha pterodáctila preferida! ❤
ResponderExcluirAmei seu texto. Menina voando alto na criatividade.
ResponderExcluirPatrícia Dellany
Muito bom!
ResponderExcluirDébora Cronemberger
Que bom te ver voar!
ResponderExcluirClaudia Boudrini
Legal, Luciana.
ResponderExcluirÀs vezes somos sim, um pouco "dinossaurescos".
Temos, no nosso valoroso cérebro, um setor, denominado Complexo Reptiliano, que regista o nosso passado réptil. E só depois, veio o nosso Neocórtex, que nos trouxe até aqui.
É, minha amiga, está tudo lá registrado...
Li, há séculos, um livro do Carl Sagan denominado Os Dragões do Éden. Muito instrutivo.
Depois, li muitos outros artigos (Scentific American, p.ex.) sobre esse tema.
É tudo muito louco!!
Paulo Magno
Hahahaha muito bom👏👏👏que nem que eu, primeira quebradura de osso , aos 50, socando como uma boxer , o chão numa corrida, sete anos após, um vôo cinematográfico de quadriciclo, quebrando cinco vértebras….😍
ResponderExcluirAdorei a crônica, cada vez melhor.
ResponderExcluirKarla Melo
Eita, manaLú, essa sua saga de cotovelos quebrados vai lhe render ainda muitos bons textos. KKK!
ResponderExcluirAbraços,
Marilena Holanda
Luuu!
ResponderExcluirQue bonito texto e que honra receber uma dedicatória assim!
Karoline Simões
Minha amiga poeta.
ResponderExcluirMárcia Godinho
Suas analogias são fantásticas demais!! Kkk adoro!
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