Diorama
O quarto imaculado instiga. Não está trancado, mas a porta sempre cerrada pressupõe privacidade. Ela segura a maçaneta e entra de mansinho, como se penetrasse um morango com o garfo. Havia quebrado o código tácito de se manter distante.
Banhado pela luz da noite, que trespassa as persianas verticais, o quarto repousa.
Austeridade nas paredes quase completamente despidas. Estoico e casto, o quarto exala um perfume protetor contra os maus cheiros do mundo. Invólucro pálido azulado para a alma se depurar dos excessos.
Ela se deita sobre o leito feito. Lençóis brancos, singela alcova. Branca de Neve no féretro, acolhida pelo silêncio.
Ao mesmo tempo, experimenta o calor uterino. Nada se ouve além das batidas do coração de Gaia.
As retinas se adaptam à penumbra. Ela fita o teto onde a sombra do ventilador forma uma pintura realista: quarto de hotel anônimo.
A clausura lhe reconforta. É um cenário de casa de boneca puritana. Ela, agora diminuta, respira serenamente.
Tudo está em seu lugar. Tudo descansa. Há uma calidez nórdica na funcionalidade de um quarto que oferece o essencial: trabalho e quietude.
O sossego meditativo de cantata gregoriana alcança a abóbada da capela; do templo no qual a forasteira entoa um mantra hindu ancestral.
Os livros não querem ser perturbados. Dormem, recostados uns nos outros, o sono eterno dos amaldiçoados pelo encanto da feiticeira.
Entretanto, a chave à porta do armário implora por movimento. Abra-me, invasora! E o que se vislumbra é a impecabilidade na organização do pelotão de camisas, de sapatos, de calças. Empilham-se e enfileiram-se em colunas, prontos para a revista exigente da guru Marie Kondo.
Um aroma floral emana das prateleiras Ela tem ganas de ser esquecida ali, de se refugiar no escuro casulo. Contudo, se dá conta da gravidade do que fez e fecha o guarda-roupa devagarinho, a se desculpar pela profanação daquele santuário íntimo.
Vagarosamente, ela se retira do quarto-diorama, microcosmo sagrado. Não seria conveniente despertar possíveis monstros escondidos embaixo da cama.
Amei esse, Lulu!
ResponderExcluirSempre nos encantando♥️🙏😘
ResponderExcluirGostei L🌹as palavras saem com uma facilidade desses pensamentos fértil🤩👌
ResponderExcluirLindo. Sensível. Comovente.
ResponderExcluirComo sempre, muito especial seus textos, Lú!!
ResponderExcluirA gente lê com tal leveza e prazer , como se sorvesse um delicioso e macio sorvete italiano...
Marilena Holanda
As pálpebras, cortinas sonolentas,
ResponderExcluirabrem e fecham seduzidas pelo profano e sagrado. Leio num fôlego e saboreio cada palavra. Fascinante e inspirador. Beijo,
Jandira Costa
Que legal!
ResponderExcluirFicou bem interessante...
Rodrigo Holanda
Vc como sempre escrevendo maravilhosamente!
ResponderExcluirJuliana Bernardes
Amei!
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Gostei muito do seu blog e da poesia presente constante em seus textos. Você poderia também acrescentar uma galeria de fotos com uma pequena resenha sobre o tema de cada imagem capturada, e nos brindar com mais uma viagem poética ampliando os sentidos de quem passeia por entre tanta arte. Parabéns.
ResponderExcluirWellington deMello
Enigmático esse último.
ResponderExcluirGosto muito dos seus textos. É quando saio da realidade para o diáfano da vida.
Ana Claudia Loiola
Cada texto mais bem elaborado que o outro! Você escreve muito bem, Lu! Parabéns, mesmo!
ResponderExcluirKarol Simões