Não é bem assim...



O nível de testosterona da mulher está inversamente proporcional ao dos homens da casa. Ela menopausa em reflexões cada dia mais longas enquanto os teens explodem em vigor físico e o marido segue no ritmo de muito trabalho que sempre lhe pautou.

Ser um repositório de estrógeno nesse universo XY é um dispêndio energético digno de maratona aquática: se manter com a cabeça para fora contra a correnteza brutal intrínseca dos machos.

Não estou falando de homens tóxicos. Uma mulher sob o jugo de um abusador é a materialização do inferno. Mas viver rodeada por homens também não é um idílio. “Ah, ao menos você é a rainha da casa”. Veja bem: não é bem assim.

A gente está mais para a “louca da casa”, a “doidinha da casa”, a única isso, a única aquilo. É sempre a minoria a gritar em busca da igualdade da potência alfa, quando, na verdade, você só pretendia existir ômega, entre silêncios poéticos e um pouco de organização: toalhas estendidas, bermudas no cabideiro atrás da porta, camisetas fedidas no cesto de lavagem.

A matilha masculina é bem unida no que tem de mais selvagem: parafernálias tecnológicas, caos dentro dos armários, xixis fora dos vasos.

Machos marcam seu território diariamente e várias vezes por dia. Lá vem aquele cachorrinho assanhado, tirando onda pra cima da Frida. Ela apenas bufa, rosna e se afasta. Demonstra tédio pela patente transparência das intenções masculinas e finge que não é com ela.

Assim sou eu, aprendendo com a outra fêmea da casa a nem sequer entrar no quarto dos filhos: acampamento atingido por um tufão. A me desviar dos petardos misóginos das próprias crias: “você repete as coisas mil vezes”, “mamãe é a única religiosa aqui em casa”, “não quero ficar com o cabelo igual o da mamãe”, “só pode ter sido a Luciana” e inúmeras outras gentilezas diárias. A parada é a seguinte: o bullying de gênero corre solto nesse apartamento e posso provar. A partir de hoje vocês se tornam testemunhas do meu suplício!


Com o parceiro, a dinâmica ainda é mais complexa. A treta dos heterossexuais é amar quem está perto dos olhos, mas longe do coração, sendo coração compreendido aqui como cuore, cerne, âmago, essência. Para eles, capcioso afinar o olhar ao nível do subliminar. Para nós, exasperante ter de explicitar obviedades. Outro complicador: o óbvio para os homens jamais é o mesmo óbvio para as mulheres e vice-versa.

Enquanto a mulher tem alma banhada em óleos aromáticos, os homens seguem como água que não se mistura com. Somos viscosas e insinuantes. Eles, papo-reto, fálicos, básicos.

Mulheres gostam de perder tempo, de se abandonar ao deleite existencial. Homens apreciam ganhar tempo; acalmam as indagações pela perene energia cinética.

Homens ainda não choram, acumulam suas raivas e suas inseguranças. Resolvem os dilemas com um papo no boteco, num joguinho de futebol ou de sinuca ladeado pelos amigos. As mulheres não se contentam com menos do que DR e terapia de casal, pois geralmente entregam de bandeja afetos e iras.


Este texto dicotômico, dirão, está datado. As dessemelhanças de gênero se diluíram. Aliás, não existem mais gêneros.

Veja bem, não é bem assim: Algo há de distinção nas atitudes e nos comportamentos masculino e feminino que ultrapassa a sociologia e reside na natureza díspar desses animais fantásticos.

Mistérios evolutivos que uma galera aí garante ser fruto do criacionismo. É confortável cair na armadilha de avaliar a si próprio como especialíssimo, formatado à imagem e à semelhança de algum deus do caralho.

E por que “do caralho” é superlativo elogioso e “da buceta” não pode ser? Abaixo o patriarcado linguístico e viva o comportamento hormonal de cada qual.

Comentários

  1. Sensacional! Linda percepção e descrição! Vou mostrar para o meu filho Lucas! Obrigada por ser essa alma sem preconceitos!
    Mil bjos da sua amiga e fã n. 1,
    Anna Gabis

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  2. Lu, aqui estamos em equilíbrio numérico 2 x 2, já muda um pouquinho, mas não é fácil para a família entender que as diferenças de gênero não são "defeitos". Adorei o texto.

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  3. kkkkk Ai, Lu! Me deliciando com seu maravilhoso "desabafo" (porque não deixou de ser, não é?). E é isso aí mesmo! Vc descreveu perfeitamente (e mais uma vez poeticamente!) essa "guerra" dos sexos! Quão diferentes somos. E é essa diversidade de pensamentos, sentimentos, jeito de ser que torna essa convivência emocionante, rica, equilibrada! Imagino eu aqui do meu cantinho, isolada, sem xixi na tampa do vaso!!! kkkk

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  4. Arrasouuuuu!!!!! 💜💜💜💜💜

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  5. Lulas, nunca tinha pensado... "Isso é do caralho!!"... "Mas que buceta"... Aqui esconde sim, as armadilhas de gênero.

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  6. _Textão da buceta!_

    Esses _recadinhos/advertências_ são pra você? Não consegui identificar onde estão fixados.
    Quem é essa Simone?

    Valdeir Jr.

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  7. hahahahahahahahaha Lu, me senti tão representada! Eu sofro o mesmo bullying diário decorrente destas diferenças biológicas inegáveis! "Mamãe, acho que já é tempo de eu morar sozinho. Você pode se mudar até o final do ano"... ahahahahahahahahaha mamãe, mais uma mandala e esta casa se torna inabitável! .... dentre várias outras!

    Bianca Duqueviz

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  8. Rsrs, adorei o texto. Embora aqui seja meio a meio, passo pelos mesmos problemas, mas me vi em atitudes do Bernardo, imagino que seja ele rsrs, será genética. Os dias andam bem tensos em tudo. Será que isso vai passar?
    Ando sofrendo com a comida. Ontem fiz 30 enroladinhos de salsicha, 30 pãezinhos de leite, tem alguns pãezinhos.
    Sábado fiz 6 receitas de esfirras pra sobrar pro jantar de domingo, mas tive que deixar um bilhete, favor sobrar pro jantar de domingo, pra não passarem fome! KKK!

    Renata Assumpção

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  9. Boa escrita. Intrigante.

    Clarice

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  10. Arrasou Lu! Gostei do uso do termo energia cinética! Parabéns pelo texto envolvente! Bjs.

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  11. Aqui ipsis literis. Só li o começo e ja faço minhas suas palavras. Mas, após exorcizados todos os fantasmas com a lente de aumento da pandemia, coloquei meu aníver como divisor de águas e tudo melhorou a partir de 17 de junho. Respeito mutuo impera.

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  12. Lu!!!! Amei. Eu tb era a única mulher entre 3 homens. Muitas coisas interessantes pra lembrar. Beijo. Sarou do braço, ou braços, ou era ficção?

    Ana Cecília Tavares

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  13. Adorei o manifesto feminista! E fechou com chave de ouro. Do c... e da b...!

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  14. Este texto tá da buceta! KKK! Doida. Gostei do "deleite existencial" e da diferença dos óbvios. Esses óbvios são assim, tem razão. Parabéns pela coragem de se revelar.
    Sua fã,

    Claudia Boudrini

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