The Precious
Salvei um casamento dias atrás. Especificamente foi numa manhã de sábado reluzente.
Empurrei o carrinho de Eva Maria até a última rua do condomínio. Cantava para ela, que acompanhava o ritmo balançando a cabeça das orelhinhas aos ombros. Não via o rosto dela, apenas a nuca e a trilha no couro cabeludo, sendero de inocência a desvendar o mundo.
Brincamos um pouco na fronteira verde entre o urbano e a vastidão. Coloquei-a em cima de uma pedrona: I am the queen of the world! Ela não se sentiu tão poderosa, pediu para sair com olhinhos assustados.
Voltamos subindo a rua principal até chegar aos brinquedos do parque de areia. Eva Maria não se animou a entrar. Então paramos mais acima, no tal Ponto de Encontro Comunitário. Sentei para descansar, o sol já fatigava. Ela, abelhinha, zanzava ao redor dos equipamentos. Quando olhei para o meu lado esquerdo, uma aliança me fazia companhia sobre a prancha de abdominais.
Pesava em dourado e prata: era uma joia com uma inscrição ilegível na parte interna. Experimentei no dedo e vi o tamanho da folga. Com certeza de mão masculina (se bem que minha mão diminuta não seja um bom parâmetro. E se fosse de um mulherão; crossfiteira bombada, com barriga negativa?)
Coloquei a aliança no bolso. O intuito era entregar para a sobrinha, que poderia anunciar o achado nas redes virtuais dos condôminos.
Mas diz o ditado: “criança cega a gente”. Sim, é tanto amor, é tanto zelo e desmantelo, que o aro de ouro permaneceu dentro do bolso. De repente me tornei Bilbo, o Bolseiro. My Precious…
Na Asa Sul a aliança fez morada por duas semanas. Até meter a mão naquele mesmo esconderijo, ó céus, que absurdo! Imediatamente enviei um zap para a sobrinha. Sem costume de conferir os grupos dos vizinhos, ela checou os aplicativos e encontrou o vídeo de um casal desconsolado: há dias procuravam o símbolo-maior do compromisso que ambos re-celebrariam dentro em breve.
Perder aliança de casamento é triste, pois dói no bolso e faz estrago no coração. Humanos se expressam por rituais. Colecionam, se aferram à tradições e metáforas para seguir adiante, no matrimônio, então, é preciso pencas de alegorias e de adereços a nos relembrar por que diabos nos casamos, in the first place..
Senti-me culpada por tamanha displicência, pois também perdi uma aliança há mais dez anos, perto daquele parquinho ao lado da Ponte JK. Só me dei conta, em casa, da mão lambuzada e escorregadia por causa do protetor solar espalhado no caçula.
A sobrinha me reencaminhou o vídeo dos pombinhos, uma versão brasiliense de Rodrigo Hilbert & Fernanda Lima: jovens, saudáveis, bonitos, pais de gêmeos e digital influencers com mais de 50 mil seguidores no Insta e YouTube!!! Confiram lá: @casalcrosspolice.
O marido veio até a portaria recuperar o tesouro perdido. Quase pedi uma recompensa: dá pra divulgar meu blog lá no perfil da mãe de gêmeos duas vezes? Pobre de mim, Brasília 2021: 60 +1 followers…
O marido estava fardado com seu uniforme da Polícia Militar. Devolveu a aliança ao anular esquerdo e pediu permissão para tirar uma foto (eu naquele estado pós-caminhada, pensem). Agradeceu a Deus e a mim fervorosamente e se foi para os braços da amada e dos quatro filhos, um quarteto de me-ni-nos.
Espero que eles me achem feia o suficiente para não entrar num vídeo como a baranga que operou o milagre da corrente do bem.
Que bela história Lu, e principalmente por trazer tranquilidade pra esse casal 🌹Eu também perdi minha linda aliança na casa da mamãe que Loey trouxe da Síria pra assumir nosso compromisso de relacionamento, fiquei arrasada na época 😥
ResponderExcluirNossa, o cara provavelmente a tirou pra fazer abdominais 😄que sorte a dele vc. ter encontrado 💕💕o casalzinho provavelmente ficaram muito felizes 🙏😘
ResponderExcluirVocê não escapou não, tá lá você no vídeo do stories. O cara te chamou de senhora 29 vezes em 14 segundos. ;)
ResponderExcluirValdeir Jr.
Sempre bom de ler e com final feliz melhor ainda.
ResponderExcluirAna Paula
Uau que história. Aqui primeiro Romeu perdeu, depois foi eu, quando engordei, mas usava as outras que fui ganhando no decorrer dos 34 anos de casada. Ano passado fui fazer um exame e não podia anel nenhum, tirei e deixei na gaveta, nunca mais coloquei. Romeu só descobriu outro dia quando Pedro disse que eu não usava anel e ele teimou com o Pedro que então me perguntou e confirmei para o Pedro. Ele então estranhou e me perguntou. Pode isso, ele não usar e querer que eu use? Respondi que não usava pelo mesmo motivo que ele rsrs . Ficou quieto, ataque de machismo não dá.
ResponderExcluirRenata Assumpção
Que texto mais liiiindo!!!
ResponderExcluirAdorei
Posso repostar?
Vc é um talento, né?
Ana mãe de gêmeos 2x
Amei o texto, tiiia!!
ResponderExcluirTaís Assunção Bezerra Lima
Gargalhei!
ResponderExcluirBaranga? Vc? Minha Clarice Lispector acessível? Faça-me o favor!
Bianca Duqueviz
Baranga? Never.
ResponderExcluirO texto é uma preciosidade.
Maria de Fátima Venceslau
Que sorte teve esse casal!
ResponderExcluirDjelaine Castro
Adorei o texto, Luu!
ResponderExcluirMaria Carolina Santos
História fofa! A propósito, não sou bombadona, sou baixinha, mas tenho um mãozão!!! Minha aliança é quase do tamanho do marido.
ResponderExcluirHistória eternizada nas redes sociais em formato de vídeos! Agora, em lindas e bem escritas palavras em tom melódico dignas de um Bestseller! Aproveito mais uma vez para agradecer a Deus e por guardar meu precioso tesouro em boas e talentosas mãos! Vou divulgar o blog com toda a certeza🙌👏👏👏
ResponderExcluirMuito legal essa história, Luciana! A história se repete, mas num contexto de século 21. Acho legal se você analisar sua escrita autodepreciativa. Por quê?
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Texto top! Ia só passar o olho... quando vi, estava chegando ao fim da aventura (queria saber o que aconteceu com o precioso... RsRsRs.
ResponderExcluirCaio
A alegria da vida de construção. De ser agente do bem na terra. 10
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