Respiro do dia


"Seu telefone irá tocar Em sua nova casa Que abriga agora a trilha Incluída nessa minha conversão / Eu só queria te contar Que eu fui lá fora E vi dois sóis num dia E a vida que ardia sem explicação"

Uma botinha nos pés e muitas memórias na cabeça. Lembranças de caminhos percorridos no outono em Manhattan e também no interior do estado de Nova Iorque: privilégio que brasileiros não costumam desfrutar.

Inúmeras vezes a estampa dela chamou a atenção de outras mulheres. Espantoso num lugar diverso como a Big Apple.

Recordações das instigantes aulas no Westchester Community College. O respiro do dia na rotina da stayhomemommy.

Parava o carro e seguia adiante pelo campus bem cuidado, quase impecável. Que ficava ao lado de um cemitério belíssimo, sereno. Aliás, tudo ali naquele condado era bom gosto e tranquilidade.

A botinha estampada também transitou entre lápides, anjos e escrituras. Prazer indelével sair de uma aula sobre Budismo e Cristianismo: semelhanças e diferenças e caminhar entre o céu e a terra com a segurança de quem não seria importunada, assediada, interrompida.

Em outro bimestre, foram as aulas acerca do Renascimento. Lá estava o par de botas trilheiro, confortável, companheiro.

Éramos inseparáveis no clima instável tanto do lado de fora quanto do lado de dentro, no cuore: deslumbramento e banzo; excitação e tédio.

Já de volta ao Brasil, as botinhas experimentaram o ocaso. Meses intermináveis no escuro do armário. Longas e monótonas conversas com os casacos, igualmente deixados de lado.

Não entendiam a súbita rejeição. Não sabiam que estavam distantes das quatro estações.

Quando chove, procuro a parceira para um flashback. E tem chovido bastante, afago bem-vindo na aridez costumeira do planalto central. Pegamos o sendero verde-musgo-versão-da-yellow-brick-road, levitando feito fada num conto fosforescente.

Há cinco anos ela e eu vivíamos noutro mundo, em locações cinematográficas. Se pudesse prever a chegada do apocalipse pandêmico, teria, enfim, me convertido?






Comentários

  1. Que bota que anda. O legal é que você manda fotos com toda família em diferentes lugares. Big Apple ou sertão os passeios são 10.

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  2. Oxê, mistura do cerrado com solo americano. Legal, Lu.

    Marisa Brasiliense de Assunção

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  3. Maravilhoso texto! Bálsamo.

    Monalisa Silva

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  4. Se não tivesse mandado a foto, acharia que era uma bota rosa, com flores azuis e amarelas. KKK!
    Cada leitor, uma cabeça.

    Karla Liparizzi

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  5. Que bota mais andarilha e chique. Muito bom o texto.

    Renata Assumpção

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  6. Já tem 5 anos que você andou por lá???

    Bianca Duqueviz

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  7. Botinha que anda, viu?
    Esse texto lembra alguns livros meus. Gostei.

    Renata Assunção

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  8. Fiquei imaginando como seria a bota. Ainda bem que tem foto no final. Mas achei que ela era florida e colorida.

    Fabiana

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  9. Essa bota tem história para contar, hein!
    Lendo, me deu vontade uma vontade de passear, viajar! Mas só de ler a gente já se sente um pouquinho no lugar descrito. Muito bom!

    Fabiana Yamin Gouveia

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  10. Que delícia de texto!! Me transportei por entre as lápides e a vi no escurinho do armário entre os casacos. Que delícia de parceria essa! E que bom que a dupla tem se aventurado novamente.
    Saudades, amiga!

    Mônica Torreão

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  11. Você é maravilhosa!

    Mabel

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