Limbo




Experimento a inércia do motorista de táxi parado no ponto (morto). Anseio pela chamada, rodar a engrenagem.

A quadra já não me cabe. Procuro outra natureza. Caminho a esmo no ermo. A cidade está enfeitiçada por um calafrio quente: faz os poros pingarem atrás da máscara.

Tudo agora está escondido sob o véu do imponderável. E da distância segura. Até onde há prevenção contra as plagas do isolamento e do limbo na paisagem envolta em sóis e luas incansáveis? 

Acho que prefiro ser uma árvore quando morrer. O rio e o mar apraz mirar. Mas uma existência líquida, fluida: armadilha. Preciso de raízes para evitar o escapismo de um espírito travesso. Braços-galhos; mãos-gravetos esqueléticos durante o inverno implacável. 

Embora seja rascante a decisão: conhecer o deleite das quatros estações enquanto sequoia, implicaria postura temperada, sóbria. O abandono da exuberância atlântica; das maritacas, bromélias e dos palmitais.
 
Delírios, pensamentos-pássaros na tarde de verão. Hoje, a vida é nebulosa, poda, ausência. A Era de Aquarius se inaugura com presságios.


Comentários

  1. Muito lindo seu texto!

    Cristina Porto Costa

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  2. Amei. Reflete nosso espirito atual e pensamentos insanos.

    Ângela Sollberger

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  3. Bravo!

    Renata Assumpção

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  4. Já me senti assim, na época do impeachment, em que via desmoronar duas décadas de conquistas do povo brasileiro. Principalmente na questão da inclusão, tão cara pra mim. Sabia que aquele discurso de criminalização da esquerda significava, em última análise, a marginalização de toda uma pauta, que, como defendo aliás, era muito mais alinhada com o que está previsto na Constituição. Agradeço à Vaza-Jato e, agora, à Miriam Leitão que, ainda em meias palavras, está revelando a farsa que foi esse processo. Saber que eu sempre estive do lado certo dessa história é um alento gigantesco pra mim. A minha vibe atualmente é a de que “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

    Paulo Bigonha

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  5. Vai escrever bem assim! Fico orgulhosa de você!

    Leila Sebastiana Cruz

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  6. Bonito texto, Lú!
    Seremos células de resistência. A gente tem que buscar alento, beleza, leveza, sonhos, encantamento...

    Marilena Holanda

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  7. Mais uma joia de texto. Fiquei eu pensando em ser rio quando morrer...

    Clarice Veras

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  8. Excelente texto!

    André Luiz Alvez

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  9. Uma viagem os seus textos. Delícia!

    Maria Aparecida

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