Diabólicas
Assumir a paixão por lichias, em tempos de fobia à China, acrescenta uma picante pitada subversiva à vida. Sem falar no vermelho intenso da casca, reação alérgica aos extremistas de direita.
Litchi chinensis, quase uma Nietzsche, é demasiada humana: tem sabor e aromas delicados; aura translúcida protegida por uma casca rusguenta. Num país onde generosa fatia da população carrega alma rude com invólucro “cidadão de bem”, não poderia ser mesmo popular a fruta de preço salgado que aprendi a amar com a minha mãe.
Logo que chegou ao meu microcosmo, num fim de ano qualquer da adolescência, era de valor proibitivo. Mamãe comprava apenas uma única embalagem, deleitada como pecado por nós duas. Tornamo-nos cúmplices da luxúria numa casa de dinheiro contado. Ou seja: além de chinesa e esquerdista, lichias também são diabólicas.
Li por aí: quem gosta de uva e de jabuticaba naturalmente arrasta asa para a lichia. Não é o meu caso. Troco, de boa, um pé de jabuticaba por uma lichieira.
Nunca entendi a devoção da galera pela brasileiríssima frutinha. Fervor patriótico que chama? Eva Maria, um pingo de gente inocente das agruras de um país governado por Bolsonaro, já morre de amores por jabuticabas. E por carambolas. Enquanto a tia-avó e madrinha se encanta mais pelos nomes do que pelos paladares exóticos da Amazônia e do Cerrado: araticum, açaí, mangaba, cupuaçu, cagaita, murici, bacupari, macaúba, jatobá, seriguela, açaí…
Exceção abro ao bacuri, um aprendizado piauiense assimilado nas férias de verão pelas mãos e jeito doces de Lucinha, a fatiar polpas e mais polpas gelatinosas que se transformam em tortas de reconhecido sucesso em Teresina. Sinto saudades de acompanhar o preparo das belezuras, acompanhadas de aromático bate-papo com a tia paterna do marido.
E ao pequi. Elementar, meus caros não-goianos. Mas perdoo aos que lhe dispensam antipatia. Evocá-lo é apenas um pedido de desculpas por preferir uma fruta originária da Ásia ao orgulho nacional em forma de bolinha de gude preta. Pelo menos não me converti ao caqui, à pitaya e ao kiwi. Posso ouvir um amém?
Falando em parentescos, não sabia, até um google atrás, que a lichia é da grande família genealógica do guaraná e da pitomba. Conclusão: tudo é avatar nesse planeta de árvores-lar e árvores-alma. Só a Bolsonaroland é que não tem a menor ideia do que gaia significa.
Eva Maria nunca comeu lichia! Acho que ela trocaria fácil a jabuticaba pela lichia. Hahaha
ResponderExcluirTaís Assunção
Não tamo junto no que se refere ao bacuri (apesar da minha piauiensidade) e ao pequi, mas tamo completamente junto no que tange à lichia. Adoro! Queria árvores frutíferas dessas aí pelo Plano Piloto.
ResponderExcluirDébora Cronemberger
Maravilha de texto, Luciana Assunção! Parabéns!
ResponderExcluirCarla Conti
Minha mãe amava, Romeu também gosta eu não sou muito fã.
ResponderExcluirRenata Assumpção
Eu adoro lichia, Lu!!! Hummmm
ResponderExcluirCynthia Chayb
Onde você encontrou? Só vi pra vender uma vez no Pão de Açúcar, no início de dezembro e depois sumiu... eu amo!
ResponderExcluirMônica Ramos Emery
Fiquei com vontade de comer lichia. Ano passado não comprei. Pra mim bastam 6 ou 8...hahaha...Visitei uma amiga que tem um pé carregado no lote. Demora pra crescer.
ResponderExcluirRe Osório
Amei o texto, prima Luciana! Agora me atiçou, quero provar lichia.
ResponderExcluirDjelaine Castro
Delícia mesmo. Mamãe adorava!
ResponderExcluirLeila Brandão
Acredita que nunca provei? Semana passada mesmo passei por uns ambulantes vendendo e quase comprei para provar, mas nem sei como se come rs.
ResponderExcluirNelson Reis de Albuquerque
Pois afirmo o amor da família por essa fruta, dos deuses! Aqui a paixão já acometeu de amores 4 gerações...
ResponderExcluirAngelina Nardelli
Legal, Lu! A Evita come todas as frutas! KKK!
ResponderExcluirMarisa Brasiliense de Assunção
Adorei o texto! Me identifiquei com as ironias e amei as criativas farpas a esse desgoverno, mas de fruta não entendo nada, sou basicamente uma comedora de bananas, me perdoem os nutricionistas. Mas deu vontade de comer só pra declarar meu lado na história. Como sempre e cada vez mais, você arrasou!
ResponderExcluirHAHAHAHAHa. Eu só como as frutas muito tradicionais... Mas eu gostei mesmo foram das críticas aos cidadãos de bem!!
ResponderExcluirBianca Duqueviz
Também adoro lichias!
ResponderExcluirTânia Benn
Que delícia!
ResponderExcluirPaulo Bigonha
Amo lichia!
ResponderExcluirMaria de Fátima Venceslau
Conhecia lichia há uns três anos, apenas. Pelas mãos de Catarina. Deliciosas! Tal qual o texto!
ResponderExcluirRosângela Oliveira
Lembrei do meu pai! Ele plantou lichia no sítio e quando chegou o dia de colher, alguém à noite fez o serviço antes.
ResponderExcluirNão deixaram nenhuma ...
Coitado!
Karla Liparizzi
Me lembrei que faz um bom tempo que não como lichia!!! Como vou ao supermercado mais tarde...
ResponderExcluirÓtimo texto!!!
Regina
Que texto bom. Fiquei sentindo cheiros e sabores.
ResponderExcluirNão sou do time lichia, sou do time jabuticaba e carambola. Mas me rendi (e muito) ao caqui. E também sou do pequi, seriguela e açaí.
Fabiana
Adorei.
ResponderExcluirRenata Assumpção
Sensacional!
ResponderExcluirMateus Cellano
Seu texto é ótimo!
ResponderExcluirLuciana
Show como sempre!
ResponderExcluirLuciene
Adorei!
ResponderExcluirNelson Reis