Barriguinha cheia







Mãe gesta, mãe nutre. Simples assim. Nesse quesito, até os pais mais bem intencionados, mais atuantes e mais corujas apenas arranham a superfície. Nenhum deles é páreo para a obsessão materna com a alimentação dos rebentos.

Desde o útero, aquele minúsculo parasita se alimentando de nós. Roubando nossas vitaminas e sais minerais com a nossa total condescendência. Aliás, felicidade. Sim, mãe que só muda de endereço sorri contente com um prato raspado até o último grão. Um potinho de papinha sem sobra é o prêmio de primeiro lugar no certame mais complexo da existência: a criação dos filhos.

A mãe que não dá o peito, se ressente. A que dá, se orgulha. E o corozinho cresce sempre com o olhar atento da genitora para que coma, coma, coma tudinho, meu filhinho. E se não come, a mãe se aflige. O pai, nem tanto. Pai não costuma perceber se há mais de três cores no almoço do pimpolho. Nutrição balanceada da prole não lhe incomoda em especial. Deve ser biologia, de novo. Os instintos mais primitivos de proteção materna. Ocitocina que vem e nunca mais se vai.

Mãe de marmanjo faz marmitinha para o filhão levar para a casa dele. Tem mãe que acorda às três da manhã só para fazer mamadeira. E aquelas que, quando encontram alguma guloseima que o caçula gosta, não pensam duas vezes antes de comprar para ver a carinha de satisfação gulosa do menino, na diária missão de entuchar bons e também abomináveis nutrientes na cria, para ver ela vingar com saúde e alegria. Nesse particular, vó é ainda mais profissional do que a mãe. A mãe contemporânea proíbe açúcar, mas a avó moderna dá e pede segredo aos netos. 

Preparar lancheira, então, se torna uma pós-graduação lato-sensu de aproximadamente 15 anos de duração, trilhões de horas-aula, incluindo disciplinas como perseverança, criatividade, malabarismo de ingredientes e hoje-vai-suco-de-caixinha-mesmo.

Mãe é um indivíduo que não tem vergonha de perturbar o bedel da escola para entregar o lanche que os meninos esqueceram em casa. Os bebês de 12 e 15 anos, tadinhos, na terça ficam até mais tarde fora, no contraturno. Eles não levaram a lancheira, nem dinheiro? Vão ficar sem comida?

O pai responde, como um típico macho alfa (olha a biologia, de novo): É bom para eles aprenderem que precisam se virar! Mas a mãe, inconsolável, se atrasa, prepara duas matulas diferentes - o mais velho come como um homem, o mais novo, ainda se alimenta como criança -, e desvia do seu trajeto até a porta da escola.

O bedel anota as respectivas salas dos guris e ri divertido da mãe, com blazer de bolinhas, ofegante e esbaforida. É um riso de compreensão com pitadas de resignação. Certamente, não fui a primeira, tampouco será a última a lhe dar as mesmas explicações e a lhe pedir o mesmo favor. 


Comentários

  1. Ótimo texto, mana Lu!

    Marilena Holanda

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  2. Adorei, Luciana!

    Me lembrei da minha avó aos 90 anos contando, com os olhinhos brilhando, como achava lindo os 9 filhos todos sentadinhos à mesa enorme da fazenda, almoçando. Viajo nos seus textos!

    Karla Liparizzi

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  3. Super! Sua vida, minha vida, vida de mãe, vida que dá vida.

    Carmem Cecília

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  4. Muito bom!
    "Hoje-vai-suco-de-caixinha-mesmo" foi brilhante.

    Marisa Reis.

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  5. Legal, Luciana!

    São as mamães cuidando dos seus eternos bebês.

    Um beijo,

    Paulo Magno

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  6. Lu, me vi nesse texto. Sou bem essa mãe aí.

    Leila Brandão

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  7. Gostei e compartilhei!

    Jôsy Militão

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