Point of no return?

Minha convicção é de que somente a militância civilizatória da sociedade poderá nos levar a outro patamar de desenvolvimento, com justiça, respeito aos limites ambientais e aos direitos humanos. E de que o debate de ideias aberto, livre, diverso e democrático é o caminho que nos fará chegar lá.
Marina Silva

Um dia desses meu primo comentou: “Às vezes você me dá a impressão de que Brasília é um quintal. Vive esbarrando em ex-colegas, amigos de infância...Em Goiânia, que é bem menor, isso nunca acontece comigo”.

Pois é, Brasília já foi um quintal. Era provinciana, diminuta, “sem nada pra fazer”, repleta de mato e vazios poeirentos. Um faroeste caboclo, sem dúvida. Hoje é um filme policial no qual rolam tiroteios diários. Ali, depois daquele muro de Berlim invisível que separa o Plano Piloto de todo o “resto”.

Porque o Plano Piloto ainda pode ser chamado pelo seu apelido mais ácido: ilha da fantasia. Não sei ao certo por quanto tempo. E, paradoxalmente, ele continua pequeno. A “Faixa de Gaza” é que mudou tudo ao redor. Para todos que cresceram embaixo de suas asas seguras, contando também os Lago Sul e Norte, o avião dá a impressão de manter um pouco daquela cidade original, imaculada e perfeitinha.

A maior parte da minha geração classe média frequentou mais ou menos os mesmos lugares: aulas de balé na Lúcia Toller ou Norma Lillia... Judô ou vôlei na ACM. Também havia a possibilidade de rolar uma natação na academia Júlio Adnet da 908/9 sul, aquela perto da Cultura Inglesa, outro ponto de encontro dos meninos e meninas da década de setenta. Se não optassem por fazer curso de línguas na Thomas Jefferson, CIL ou IBI, remember?

Agora, a academia na qual meu amigo de primário nadava está dando lugar a mais um big prédio de salas comerciais que vai abarrotar o trânsito cada dia mais caótico do ex-planejado Plano. E o Clube do Congresso no início da Asa Sul? Era uma referência daquela Brasília utópica. Foi para o espaço com o painel de azulejos do Athos Bulcão. Sem pudores, do buracão emerge outro edifício com 400 salinhas e falta de vagas, pois ninguém aqui no Brasil se pergunta o óbvio: onde vamos colocar os carros e como esses carros irão se deslocar?

Sim, a gente costumava esbarrar com a turminha do colégio que estudava nos bat Marista, Objetivo, Setor Leste, Sigma e Leonardo da Vinci. E a UnB se incumbia de reunir a galera “bem nascida” novamente, por ser o funil da única opção de universidade pública no Distrito Federal. Hoje aquele mundinho idílico desencantou. A cidade cresceu demais. O tráfego está amarrado, confuso, irritado. Somos multidão.

O Plano Piloto se tornou um plano que saiu pela culatra. Segue protegido graças ao tombamento, mas sofre com as transgressões diárias ao seu projeto inicial, assim como os demais patrimônios históricos e culturais espalhados pelo país. As ruas estreitas e os poucos estacionamentos recebem um fluxo de automóveis e pessoas desproporcional a capacidade dele. O que adianta melhorar o acesso de carros do entorno para as asas se as asas não comportam a pressão?

Mais uma vez, a clara e estúpida prova da falta de planejamento urbano nas cidades brasileiras. Parece que o importante é crescer, virar metrópole, quando sabemos que a qualidade de vida reside em comunidades menores, que não perdem a humanidade. Não há política pública séria sobre melhorias no transporte coletivo nas nossas capitais.

Há alguns anos, conseguíamos fazer em cinco minutos um percurso qualquer dentro do Plano Piloto. Atualmente, cruzar da L2 para a W5 virou um tormento. Não se vai para lugar algum sem se perder 20, 30 minutos. E o mais estranho nessa nova realidade é que nós, que nascemos aqui, ainda não dos demos conta dela direito. Geralmente nos atrasamos para os compromissos porque estamos com a programação cerebral ultrapassada. Acreditando que dá para estar em algum canto em pouco tempo, deixamos os outros esperando ou perdemos a consulta no dentista.

É verdade que não tenho saudades da Brasília caipira, mas também não tenho orgulho do que ela se tornou. Receio que a capital não possa oferecer para a nova geração de brasilienses, ilhados no Plano ou presos no Entorno encharcado de violência, crack, descaso e pobreza, um futuro de paz, prosperidade e solidariedade.

Mas, convenhamos, já é Copa do Mundo. Quem se importa com retórica numa hora dessas? Entretanto a torcida permanece. Na hora da urna, os brasileiros carecem de razão.

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