Degustar é preciso

Nosso cérebro não cria aromas.
O que existe é a memória olfativa do que a gente já experimentou.

Jhonatan Marini,  enólogo da Casa Valduga


Fascinante desvendar um Brasil que a gente não sabe que existe. A epopeia italiana de verdade, e não aquela máscara apresentada em novelas das oito. Rota das Vinícolas, Caminhos de Pedra, Vale dos Vinhedos. Bem podia se chamar Alameda da Gentileza ou Travessia da Cordialidade. Porque daquele estereótipo rude e espalhafatoso impingido aos italianos, nessas bandas não se vê rastro.


casa típica da região
A simpatia e o bem atender não parecem ser truques lucrativos de marketing, mas um modo de ser e de estar da jovial e graciosa população das cidadezinhas que formam o circuito de uvas e vinhos do Rio Grande do Sul. Bento Gonçalves, Garibaldi, Pedro Bandeira, Carlos Barbosa, Farroupilha...
 
O vinho aqui é soberano. Por isso, o garçom me lançou um olhar consternado quando pedi uma coca-cola zero. Quando percebi, já era tarde demais para reparar tamanha indelicadeza. No Vale dos Vinhedos, ou você incorpora o ‘mondovino’ ou perde a chance de se sentir na mais italiana das regiões brasileiras.

Ballochio, Uberti, Tombini, Bassanesi, Cadore, Soprano, Scapinelli, Mansan, Damiani, Titton, Vêneto, Muraro, Tonello, Zanotto, Andreazza, Machiotto, Bertelli, Facchini, Menegotto, Pellin, Vicenzi, Grendene, Catani, Rossoni, Bernardi, Perine, Valduga, Vettura, Ciconetto, Guazelli, Canello, Mussato, Susin, Angeretti, Valduga, Salton, Variani, , Giacomelli, Tramontina, Ferrarezi, Giordani, Ferrari, Ziliotto, Viali, Polesso, Volpato, Pavan, Zurlo, Gonzatto...

Nas pracinhas tomadas pelos habitantes curtindo o sol de inverno, não deve existir um sequer que não carregue sobrenome italiano. Eles estão estampados em todos os tipos de atividades comerciais. Só não vi motel batizado à moda da Colônia. Também pudera, seria uma vero heresia para povo tão pio. Cada casa, um santinho. Cada curva, um oratório.


Vinícola Miolo
Nas fruteiras, lancherias, cruzando os arroios... É Itália para todo lado. Respiram-se e bebem-se os mais diversos aromas do que há de melhor na produção de vinhos, espumantes e sucos de uva. Sem falar nas geleias de sabor gourmet. Deitar os olhos nos parreirais que sobem e descem o vale; nas árvores de plátano – a mesma que produz o xarope de maple e cuja folha é símbolo do Canadá; degustar todas as cores da bebida de Dionísio produzida em pequenas reservas ou em escala industrial. Tudo é novidade para uma garota do Goiás enturmada apenas com o cultivo de arroz, milho e feijão.


Curso de degustação da Casa Valduga


Mesmo para quem não pretende ser enólogo ou se tornar um enochato, a experiência de conhecer a linha de produção do vinho, acompanhada de um curso de degustação, é imperdível. Jamais imaginei usar adjetivos como rústico e enigmático para algo que estivesse bebendo, mas fiz, intuitivamente, sem afetação. E o simpático professor sinalizou que eu estava quase chegando lá.




Você sabia que o cogumelo é um aroma mineral? Coisas do deus Baco. Também aprendi que o vinho deve passear por toda língua antes de ser ingerido. Assim, a bebida é sentida pelas papilas ácidas da lateral, salgadas do meio, doces da ponta e amargas do fundo, já lá perto da garganta. De fato, faz diferença. Até eu que não bebo, bebi. Degustei tantas variedades que bati o meu pífio recorde. De golinho em golinho devo ter alcançado uns 1.500 mililitros.

Cor violácea apresentam as safras jovens. As mais maduras ganham tons granada-alaranjados. Há aromas que remetem a pão tostado. Outros vinhos podem lhe recordar um pimentão verde. Resumindo, é um universo totalmente subjetivo, sutil e volátil. O que vale é penetrar e se divertir.

Só é preciso cuidar para não pagar excesso de bagagem no aeroporto. Afinal, depois de tanta provação, fica irresistível não praticar em casa as lições absorvidas na sala de degustação.


Comentários

  1. Luciana,

    se o seu interesse pelo vinho for realmente duradouro, então sua habilidade com os adjetivos só fará crescer.

    Para mim, o interesse pelo vinho é um desejo de transcendência, das coisas essenciais e concretas como aquelas que a terra nos dá. Por trás de todos esses penduricalhos, o que o vinho nos dá é isso: o reencontro com a terra.

    Numa época de prazeres cada mais virtuais, não é pouca coisa. Em contato com ele, os sentidos se acham facilmente. Não precisa procurar os adjetivos no cérebro, eles estão no vinho, vêm diretamente de lá.

    Em 2007 eu e uns amigos tivemos uma experiência absolutamente marcante. Os adjetivos não foram suficientes, tivemos que apelar para atrizes de cinema :-) Dê uma olhada em
    http://picasaweb.google.com/celso.goncalves.jr/200704AprDegustacao#

    Desejo que o vinho lhe seja tão generoso quanto foi comigo nessa e em várias outras oportunidades.

    Bjs,
    Celso

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