“Audácia da pilombeta”

Por favor, me dê a sua mão, entre no meu cordão, venha participar
Quando piso em flores, flores de todas as cores, vermelho-sangue, verde-oliva, azul colonial
Me dá vontade de voar sobre o planeta, sem ter medo da careta, na cara do temporal
Desembainho a minha espada cintilante, cravejada de brilhante, peixe-espada vou pro mar
O amor me veste com o terno da beleza, e o saloon da natureza abre as portas pra eu dançar...”

Zeca Baleiro

Por que envelhecer nos deixa medrosos? Deveria ser exatamente o contrário. Por ter mais experiência, por ter vivido mais, a gente deveria saber que não precisa ter medo de viajar de avião, pois é o “transporte mais seguro do mundo”. Que os brinquedos dos parques de diversão não vão nos matar, a não ser que tenhamos um problema cardíaco desconhecido ou, se por pura falta de sorte, uma tragédia enguiçar o equipamento.

Mas o medo se instala. Leviano e silencioso. Quando percebemos, já não fazemos nada das aventuras cheias de adrenalina que curtíamos aos 10, 20 anos. Subir num cavalo...Ai meu Deus, e se eu cair e virar o Christopher Reeve? Resta a doída vontade, a lembrança do prazer de trotar, galopar, cabelo batendo no rosto, pasto aberto, pé de vento...

Entretanto o cavalo Mangalarga Marchador é alto, você já não tem aquela segurança toda, está empenada, não entra na mesma pulsação do animal e se resigna em trocar o duvidoso pelo certo: um pangaré que mal sai do lugar para sair viva dali de cima.

Escalar árvores. Já tentou aos 39? É patético. A perna não sobe naquele galho que fica a 1 metro de altura. Os braços não sustentam o peso do corpo. Lá vem aquela sombra medrosa, o tal bom senso chato e censurador: o que você pensa que está tentando fazer aí, velhinha boboca?

Parece a historinha do Garfield condenando o Odie ao vê-lo encarapitado numa copa frondosa: “É inacreditável quando não se conhece as próprias limitações”. E o X da questão reside na piada do gato, não por acaso, preguiçoso, gordo e ranzinza: se a gente começa a dar ouvidos para esses sentimentos limitantes, eles se tornam reais. Não é medo de bicho papão que passa com o tempo. É medo de viver que aumenta com os anos que chegam.

A ladainha do “não tenho mais idade para isso” vira a desculpa ideal para as teias de aranha a embrulhar o coração sem mais o tum-tum da vertigem do risco. Risco...Sentimento arisco e tentador a nos acompanhar nessa estrada afora. Que tal pegar o atalho e dar de cara com o lobo mau? Não falo de estupradores ou assaltantes, obviamente.

Proponho uma recusa sistemática, uma brava luta contra os medinhos desnecessários. Amarras que nos acovardam, principalmente depois que temos filhos e a responsabilidade com o futuro deles nos reveste de excessivo resguardo. Deixemos que eles nos levem pelos caminhos do desconhecido. Redescubramos, ao lado das nossas crias, o frio na barriga de voltar a sentir frio na barriga.

Ontem foi assim no Parque Nicolândia. O brinquedo rodava nas alturas, eu gritava de pânico enquanto meu filho dizia: “Legal! Legal! Não precisa ficar com medo, mamãe! Fecha os olhos que fica mais legal!” E não é que era verdade?

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