Voltamos para o sol
Qual seria a distância segura entre a mulher e um homem desconhecido?
A mulher é sempre um artigo definido. O homem é incerto. Sua força-motriz guarda o instinto predador.
Mesmo na manhã límpida, um homem estranho na mesma rua tira a leveza de espírito da mulher. A dor se instala em seu coração.
Parar ou prosseguir? Diminuir a marcha até que a distância se torne intransponível.
Qual seria, em passos, a inalcançabilidade?
Por que a mulher não pode caminhar em quietude pela calçada de sábado quando vislumbra um homem qualquer?
Antes a mulher só intuía o que lhe ocorreria se um homem alheio lhe fizesse de presa. Hoje, câmeras mostram o desespero da mulher diante do algoz.
Cenas atrozes e inesquecíveis enquanto a mulher espera que um homem de costas suma do alcance de suas vistas míopes.
O desassossego é a sombra da mulher livre.
Fui atendida por uma médica chamada Luciana. Era apenas uma consulta insípida e mecânica. Precisava de uma receita e o meu médico não tinha horário.
Ao assinar a receita, descobri que ela também é canhota. Ao perguntar meu endereço, ela observou que ambas vivemos no Lago Norte.
Resisti à tentação de lhe perguntar em qual QL ou QI. Talvez uma curiosidade muito pessoal.
Não pude deixar de dizer que ela vestia uma camisa roxa por baixo do jaleco. Uma das minhas cores preferidas, eu comentei.
Ela sorriu.
Minha mãe diria: o que o cu tem a ver com as calças? Ela não tinha muita paciência com observações frívolas sobre o estar no mundo. Às vezes era desbocada, a danada. No mais, uma mulher forte, sem firulas.
Na nossa vida, ela exercia o papel da médica.

Palavra difícil de falar: bocejo.
Palavra que faz pensar antes de escrever: exceção.
Palavra sempre escrita: amor.
Palavra que indaga: por quê?
Palavra que cessa: fim.
Palavra que dói: falta.
Palavra-alento: vento.
Palavra que diz tudo: palavras.

"She collapsed the night"*
Houve um tempo em que copiava diálogos de filmes num caderno. A fita de vídeo retrocedia e avançava para que eu anotasse as passagens mais significativas para a jovem versão de mim. Passatempo gostoso.
Ontem me peguei repetindo o hábito adormecido.
O filme é bobo (The Gorge), mas o trecho bateu.
"What do you do when the sadness overwhelms you?
Sometimes I’ll read a poem. Maybe try to write one.
You write poetry?
Almost everyday.
Seriously? Are you talented?
No, I’m terrible.
You will write me a terrible poem?
Maybe I’ve already written."
*título do poema escrito no filme (puta título!)
eu adorei tb esse filme que vc citou. Me lembrei da minha agenda adolescente : tb era cheia de frases da Legião urbana e do Blade Runner .
ResponderExcluir🥰🥰
Karla
Como na música “Índios”: Mas nos deram espelhos/E vimos um mundo doente!”, ou a famosa do andróide no Blade Runner: “These moments will be lost in time, like tears in the rain…” Obrigada, Luciana escritora, por lembrar das pausas com alma proporcionadas pela leitura poética!❤️
Excluir👆🏽Beth @ratzers
ExcluirAté situações de desespero e inquietude se tornam lúdicas na sua escrita. 🌟
ResponderExcluirMárcia Renault
Ah, que deleite! 😍
ResponderExcluirQuem nunca desaguou sentimentos em forma de palavras que atire a primeira pedra, eu não atiro.
ResponderExcluirTudo que vc escreve tem beleza, humor, sarcasmo, suspense…ingredientes fundamentais para uma escrita que a gente lê, se diverte, se identifica…quero sempre mais🤗🙏🥰
ResponderExcluirCynthia🌺