Na península


Céu eletrificado
choques esparsos ao toque pontiagudo
das estrelas.

A casa é lugar de um sem fim de seres
visíveis
microscópicos
metafísicos
(almas roubadas das rosas)

O grilo não se cansa de seu canto.
Os gatos se enrodilham nos mesmos cantos.

Os artigos são definidos, não definitivos.

Noite, tempestade de aranhas no vácuo.



Foi na pandemia que a urgência de morar numa casa se tornou mais forte, como para milhares de outras pessoas.
Mas o desejo já existia, sem dúvida. Entretanto, a localização e o conforto do apartamento não podiam ser desprezados. Os meninos iam para todos os lados a pé, de bike, bus ou metrô: escola, Clube de Vizinhança, esportes, amigos. O tentáculo mãetorista foi pouco acionado, ufa.
Eu também fazia muita coisa pé. Morar numa superquadra idealizada por Lúcio Costa é um baita privilégio.
O confinamento imposto, todavia, me deixou totalmente extenuada das paredes do terceiro andar.
Insisti tanto que compramos um terreno no bairro Park (a)Way. Este pedacinho de terra alhures, numa área de baixa densidade populacional, nos salvou da clausura. Passávamos muitas tardes por lá, idealizando nossa futura casa, que seria muito maneira, contemporânea e originalíssima.
Um escritório de Goiânia foi escolhido, o Arquitetura Viva, pois as propostas encabeçadas pela querida Luana, que passou a ser chamada de lunática 2 por mim (eu a número 1, claro) eram incríveis. Projeto pronto, a vida foi se intrometendo nos planos. Preços exorbitantes de mão-de-obra e de materiais, os meninos já quase jovens deixando o lar…
Não dava para gastar preciosos meses ou anos construindo uma casa do zero. Ainda mais aquela casa, em terreno de declive acentuado (a famosa pirambeira).
Mudança de sonho: agora era achar uma casa velha no Lago Norte.
Aqui estamos. Tudo isso para dizer sobre outra conexão telúrica bonita neste processo. O projeto no Park Way foi batizado de “Casa Balanço do Infinito” (a vista era espetacular).
Compramos uma casa no Lago Norte que veio com um balanço. A casa de número 8, o número do infinito.
Acho que os anjinhos da minha guarda são muito zombeteiros, não?



De manhãzinha é o horário desarmado dos gatos da casa. Num salto sutil somente percebido por já estar desperta, sinto um caminhar cuidadoso entre os obstáculos da cama: almofadas, colcha e lençóis amarfanhados.
Ela tateia meu corpo coberto e suavemente escolhe o espaço no qual se encaixa com conforto sobre mim.
Tudo é diáfano, delicado e íntimo neste momento de comunhão entre um gato e um humano.
É quase sublime o presente matinal. Sorrio em silêncio, ronronando, grata, pela convivência com tais
deidades.


Comentários

  1. Deidades mesmo🙏beleza de escrita…
    Cynthia 😍

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  2. Tenho muita vontade de ter um gato mais aqui em casa não dá, somos uma família de cachorreiros 🤭
    Quanto à casa, graças a Deus desfruto desse prazer há tempos, reformamos aquela que vc esteve.

    Paula

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  3. Ahhhh, que lindeza💚 o mundo devia ser todo dos poetas💚💚💚

    Luana

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  4. Está muito bom sendo monotemática, vamos explorar o tema por diversos ângulos 😍o Adorei o texto.

    Renata Assumpção

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  5. Ah, o amor...! Quer coisa mais monotemática? O encantamento da casa corpo rende mil fogos e ainda mais. Beijinhos,

    Isabel Frantz

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  6. Lindo poema!

    Catarina França

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  7. Casa, tudo de bom! Agora mesmo me distraio aguando as plantinhas.
    Beijos.

    Tania Benn

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