Overdose



One of these mornings
You're gonna rise, rise up singing
You're gonna spread your wings
Child, and take, take to the sky
Lord, the sky...
(Summertime/Janis Joplin) 




Acordei entre "Nostradamus", de Dusek e "O Tempo não para", de Cazuza.

Abri os olhos e minha cama estava cheia de gatos e minhas ideias não correspondiam aos fatos.

Me senti no fim do mundo como antes fora. O sonho misturou Índia com Harry Potter. Nem sequer os cogumelos do amigo, que mastiguei macerados ao mel num longínquo domingo, me deram delírio igual. Penso que talvez tenha tido uma overdose emocional.

Até que foi divertido participar daquela alucinação onírica. Fazia parte de uma família com chapéus incríveis que pegava elevadores que iam do nada para lugar algum. O trânsito caótico da cidade repleto de tuk-tuks. Clã de bruxas com roupas vitorianas. Surrealismo espanhol e expressionismo alemão totais. Resultado final de um ontem caótico.

Não almocei, já na ansiedade do voo do primogênito. Daí, não podia perder a sessão de julgamento sobre “O Crime da 113 Sul” acontecendo bem ali no meu quintal STJ. Desci do quinto andar para acompanhar o bafafá no Prédio dos Plenários. Relembrar os tempos adrenalizados do jornalismo. 

Adentrei na Sexta Turma de capinha de Batman e tudo, pelo lado dos ministros.

“Você vai sustentar?”, indagou uma mocinha com jeito de estagiária de Direito que havia guardado quase uma fileira inteira de assentos com pastinhas do escritório de advocacia do aclamado advogado criminalista KaKay, na defesa de Adriana Vilella, a suposta mandante do assassinato visceral de seus pais e da coitada da empregada que pagou um pato bárbaro.

Tive vontade de dizer que sim, logo, logo tomaria de assalto a tribuna e teatralizaria contra Adriana e KaKay, em frente aos meus dois ex-chefes: ministros Sebastião Reis e Rogério Schietti Cruz. Mas apenas fiz cara de entojo e sentei. Ela deve ter imaginado que se tratava de alguma advogada bam-bam-bam e recolheu sua pastinha pedindo desculpas. Ô mundinho dos tais doutores da lei…

Eis que percebo estar posicionada imediatamente atrás do megablaster KaKay, que revisava suas notas escritas à mão. Ah, que pena ser eu uma pessoa cega mesmo de óculos. Juro que tentei ler tudinho, mas não entendi nada. KKKay.

14 horas: começam os trabalhos. Defesa incisiva do todo poderoso da retórica. “Este caso é teratológico, às vezes, escatológico, eivado de razões não jurídicas…Conseguimos fazer a prova negativa demonstrando que Adriana é inocente…” 15 minutos de eloquência inebriante.

O representante do Ministério Público, Marcelo Leite, veio em seguida, bastante nervoso. Fácil não é ter de suceder o carisma de KaKay. Mas, após alguns minutos vacilante, se aprumou, invocou a Súmula 7 do STJ e disparou 10 minutos de “clareza solar que o Tribunal do Júri está correto.”

Sim, a defesa perde no Júri e vem agora querer anular no STJ, por meio de REsp (recurso especial), que não admite reanálise de provas e de fatos exatamente por causa da tal súmula 7.

Não há nulidade nenhuma, gente, eu digo e o Dr. Leite também. “10 horas de interrogatório com Adriana e todos os jurados puderam comprovar a frieza e o cinismo. Latrocínio com mais de 70 facadas?” Nós, crimezeiros, bem sabemos que facadas em profusão são crimes passionais.

“A carta da mãe para Adriana foi uma profecia.” Silêncio no Tribunal. Paradinha cênica espetacular. A mãe dizia que tinha perdido a esperança na filha, já havia feito de tudo e que ela não sabia viver em sociedade. Eu não duvido nadinha. A soberania do Júri às vezes falha soberanamente. Data venia, neste caso…

Tive que sair correndo para levar o filhote até o aeroporto. Seis meses na Alemanha. Voltei para casa com uma puta dor de cabeça. Bernardo preparou uma omelete, comi com voracidade e tentei relaxar. Entretanto, tudo foi espiralando até desaguar num vômito das entranhas, de útero vazio, ninho é fichinha.

Agora entendo o que aconteceu com Joplin e com Hendrix. Aspirei tudo, perdi o ar, quase morri engasgada em mim mesma e fui parar debaixo do chuveiro, junkie sem drogas. Uma das situações mais bizarras da vida de uma mãe. Apaguei e sonhei aquilo.

Ressaca dos infernos é a dos abstêmios, acreditem em mim.

Comentários

  1. Kkkkk é sempre uma habilidade alquímica invejável transformar bosta em estrume, Luzita! Ou, dito mais candidamente, aproveitar uma experiência péssima como matéria prima de um texto maneiro! 😉

    Isa Frantz

    ResponderExcluir
  2. Puxa , Luciana. Quanta coisa em tão pouco tempo!
    Espero que vc lide bem com mudanças 🥰☺️🥰

    Karla Liparizzi

    ResponderExcluir
  3. Tenho uns cogumelos maravilhosos aqui.
    Kkkk
    Os melhores!

    ResponderExcluir
  4. Impactante: Ressaca dos infernos é a dos abstêmios, acreditem em mim.

    Bianca Duqueviz

    ResponderExcluir
  5. Sabia que não deveria ser fácil, essa partida conjunta dos meninos 👦 👦, mas achei que para mãe jovem antenada, articulada seria mais fácil, mas bateu fundo na jovem mãe Emília 🫶🏽

    Cristina

    ResponderExcluir
  6. Ameiiiii👏👏👏🙏🥰

    ResponderExcluir
  7. Cogumelos, metanoia, inspiração, respiração! Mergulhos profundos, sensibilidade… Ao final, expansão! 🥰💕

    Cyva

    ResponderExcluir
  8. Curti pacas esse texto , pena que te custou as entranhas 😬

    Clarice Veras

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Coisas da vida

Que o próximo ano não te cancele!

Fechar e abrir novas gestalts