Intercursos
Cansada das minhas limitações.
Você também, eu sei.
Na caminhada de ontem, a música que abria a playlist Release Radar, do Spotify se chamava “Demoro a dormir”, do rapper Djonga, com participação especial do Milton Nascimento. Nunca ouvira antes. O legal destas listas aleatórias - pero no mucho - do aplicativo é justamente lhe obrigar a escutar algo que de outro modo você jamais selecionaria. Não curto muito rap e afins, apesar de alguns serem ótimos como este.
Mas a voz do Bituca, a princípio, é quase irreconhecível. É um esgar, um fiapo. Comoveu por tudo o que ele representa para a minha vida e para a MPB.
Abaixo de um sol impertinente, quis chorar. Aliás, voltei aos níveis de choro de uma boa pisciana descompensada. Tudo me leva às lágrimas ultimamente. Porém, segui firme nas passadas e resolvi prestar atenção na letra, poderosa, idealista, fodida mesmo. O choro virou revolução mental.
Digo tudo isso porque na noite anterior, sábado, tinha conferido um pocket show com um duo de violões e uma dupla de cantoras reluzentes da cidade. No repertório de uma delas rolou “Amor de Índio”, uma das minhas prediletas, ainda que tremendamente manjada.
Daí, quando ouvi aquela voz tão destoante do Milton no domingo pela manhã, de imediato recordei a interpretação mais sublime da canção de Beto Guedes. É a de Milton, especificamente na do show no ginásio Nilson Nelson que, naqueles anos 1990, era o maior espaço para receber a horda de fãs do faceiro mineiro.
Eu estava lá. Quando Milton repete ao final: Todo amor é sagrado, Todo amor é sagrado, todo amor é sagrado, cada sílaba, cada palavra ricocheteou nas cadeiras da arquibancada, nas pilastras de concreto,, nos canhões de luz e, de forma retumbante, no nosso coração. Dava um trem dentro da gente, parecia paradinha da bateria da escola de samba. To-do a-mor, to-do a-mor é sa-gra-dO… Suspendi a respiração, talvez tenha morrido por alguns segundos, tomei fôlego e em pé que estava, na pista, debulhei uma chuva individual. Entretanto desconfio que deve ter sido coletiva.
Brigado, Bituca Bão Bsurdo!
sua essência
efêmera.
A lua plena, llena,
foge do alcance das frases.
Liberta, ascende.
Testemunha o intercurso
entre pele e fragrância.
efêmera.
A lua plena, llena,
foge do alcance das frases.
Liberta, ascende.
Testemunha o intercurso
entre pele e fragrância.
Dividindo o espaço-tempo de leitura entre um clássico e um contemporâneo, um objeto-livro carcomido, mas de grande valor sentimental (pertencia à mãe da querida Rosinha Encarnadinha, que vivia numa estante do Recife, terra da infância de Lispector, terra que muito me apraz), e um seminovo adquirido num bazar.
Apesar de ter menos de 200 páginas, é difícil, numa sentada - melhor seria deitada, pois gosto de ler antes de dormir - as elucubrações abissais de Clarice. O livro avança tão devagar que parece que não está sendo lido. Um paradoxo clariceano, sem dúvida.
Já todo grifado por mim, com folhas que se soltam nas minhas mãos, a obra é ela própria uma aprendizagem de como a cabecinha de Clarice era doidinha pacas. Cada parágrafo pode ser desfiado em um sem-fim de digressões. Neste romance é que lemos aquela passagem tão amada por tantos: “Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não-humanas. E ali está a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos”. É o começo de um parágrafo. É Lóri, sou eu, somos todas as que não vivemos sem a fusão com o mar. Logo, logo estarei promovendo a minha.
Do contemporâneo e jovem autor francês sucesso absoluto entre as rodinhas engajadas, digo que a linguagem é direta, honesta e fluida, ou seja, bem parecida com a minha. HaHaHa. Recomendo a leitura de ambos (ele e eu), pois da Clarice seria redundância dispensável.
Lú, também choro quando escuto o Bituca com a luta pela voz. Imaginar que o vozeirão dele se foi, como o do meu pai também se foi. Cresci escutando que a voz não envelhece... Envelhece, sim.
ResponderExcluirAssisti muitos, mas muitos shows desse que é um dos meus cantores predileto. A minha maior emoção foi na década de 70 no Ginásio do Ibirapuera, ele cantou todas, menos Travessia. No final quando as luzes ainda estavam apagadas os isqueiros foram acessos e o público cantou pra ele. Então ele emocionado, cantou parabéns nós.❤️
Renata Assumpção
Eu não sou uma fã do "gargarejo jogando beijo" do Bituca. Respeito demais a trajetória, o clube da esquina, mas aquele "coração de estudante" que tocava o dia inteiro ou "Maria Maria" me deixaram com alguns traumas... a minha favorita é quem sabe isto quer dizer amor! E... por fim, eu andava menos chorona, mas já estou chorona de novo.. rsrsrs
ResponderExcluirBianca Duqueviz
Luciana, muito legal!!
ResponderExcluirO Milton como cantor, me "tocou" muito cedo na vida.
Me lembro da primeira vez que ouvi, na casa de um colega, num vinil claro!!
Creio que foi justamente "Travessia"!! Olha só?!
E, daí, sempre acompahei.
Luciana, um beijo.
Paulo Magno
Eu aprendi a apreciar o RAP, prestar atenção as letras, especialmente Racionais MCs, letras que são um tapa na cara.
ResponderExcluirAnna Luiza
Amo o Bituca!!! sua voz sai da Alma, mesmo agora que já “vencida”sopra em minha Alma uma brisa doce e saudosa, lá em Minas sua voz ecoa nos morros, montanhas e vales é a cara das Gerais!
ResponderExcluirCynthia🙏😍🦋
Tão bom escrever assim, que senti o que vc sentiu.
ResponderExcluirSama
Bituca e sua voz sensacional. Eu a escuto como se ainda grave e límpida estivesse.
ResponderExcluirTania Benn