Valsas e Choros
O velhinho buscou a mão da velhinha ao lado, nas primeiras notas do piano. Era a valsa Tardes em Lindóia, de Zequinha de Abreu. Eles permaneceram de mãos dadas durante toda a execução.
Logo atrás estava eu a contemplar os cabelos prateados bem cortados, o perfil aquilino e o brinco bonito, cara de joia, da bela mulher. Eles se deixaram levar pelas reminiscências. Eu, pelas suposições. Seria a música-marco do namoro dos dois? Ou foi a composição tocada no baile quando se conheceram? Quem sabe não teriam passado a lua de mel em Águas de Lindóia?
A cidade paulista, estância de águas quentes e terapêuticas, certamente figurou como destino popular para pombinhos apaixonados muito antes das lacrações das redes sociais.
A beleza de seu relevo, seu clima temperado e seco, suas fontes radioativas e puras inspiram delicadezas há muito tempo, inclusive a do grande compositor Zequinha, que lançou sua valsa na década de 1920.
Romance romântico destoa tanto hoje em dia. Um gesto discreto ganha a dimensão do desejo maior de todo mundo: encontrar alguém para atravessar os perrengues e os prazeres da vida, construindo memórias conjuntas.
Ali estava “Em algum lugar do passado” à brasileira acontecendo na vida real. No lugar de Rachmaninoff, valsas e chorinhos de Abreu e de Ernesto Nazareth, ecoando pelo aconchegante palco do Ecai.
A plateia de maioria idosa se embalava em lembranças juvenis. Eu pensava no futuro de quem já atravessou cinco dezenas de anos, uma trinca delas com um pé de valsa desengonçado. Chegaremos lá, nas tais bodas de ouro, quando, às vezes, não quero nem sequer ir até a esquina com ele?
Perdurar ou não, eis o acorde dissonante que se insinua na dança dos casais de ontem, de hoje e de amanhã. A convivência amorosa é polifonia nem sempre harmônica.
A construção e o alívio da tensão na música do casamento ocorre dos níveis mais sutis aos mais densos.
Para os entendidos de partituras, são essas intercorrências as principais responsáveis pela beleza, emoção e expressão da obra composta.
Sendo assim, valsemos e choremos sem que a surdez de Beethoven nos atinja.
Sim vamos dançar 🎶🎵Que lindo texto Lulu👌👏
ResponderExcluirMuito bom, Lu ! Vou mandar para o meu pai.
ResponderExcluirKarla Liparizzi
Maravilhoso.... e a sinceridade terapêutica dos seus textos 💖
ResponderExcluirBianca Duqueviz
Nossa Lú, lindo e me lembrei muito de Cristina e Wanderley, casal amigos dos meus pais que são meus padrinhos de casamento e pais do Zé Renato um amigo que vivo no perrengue no face. Todo dia antes de dormir eles dançam uma valsa diferente e um bolero de pijama e me mandam o vídeo, é assim que dizem boa noite. Tenho uma afinidade muito grande com ela, sempre esteve muito presente na minha vida. Adorei você me provocar essas lembranças.😘
ResponderExcluirLindo querida! Amey este em especial 😂😂😂
ResponderExcluirAlanny
Lindo!
ResponderExcluirTania Benn
Obrigada, amiga! adoro todos os textos que me envia.
ResponderExcluirMaria Isabel
Maravilha de texto Lu… vc sempre tão perspicaz🤗 já fizemos bodas de ouro, ❤️❤️ é o nosso romantismo vem de escutarmos juntos os rocks que são trilhas sonoras da nossa história 🥰🙏
ResponderExcluirQuão maravilhosa é a melodia dos seus textos! E viva o talento dessa pisciana de juba! 😍🥰✨
ResponderExcluirCyva Abreu
Sem a menor dúvida a música que foi partilhada pela emoção tanto para gerações de ontem, de hoje ou amanhã será objeto de recordação porque a natureza humana ,claro que em estado de plena consciência sempre experimentará aquilo que se chama emoção.
ResponderExcluirLindo e verdadeiro, especialmente a parte da "Chegaremos lá, nas tais bodas de ouro, quando, às vezes, não quero nem sequer ir até a esquina com ele?" Rsss 😘😘
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