Agostinas

Límpido, o dia
redunda ensolarado lá no alto
e cá no chão.
Amarelo absoluto,
astro-rei despetalado,
polvilha o solo árido.
O ar incandescente arde
como pimenta
numa densidade silenciosa e desértica
de caminhos tuaregues.
Aroma de açafrão com pequi,
bem ali.
Talvez a rua termine na ansiada miragem:
oásis.


Mucosas das narinas em carne viva
a garganta trava à passagem da saliva.
Articulações crepitam como se se desprendessem os parafusos.
Os olhos marejam pela carência de sono,
pois a dor só traz descanso se morfina o seu pranto.
Adoeci para atestar a fragilidade da alegria.
Basta a coriza para fenecer a brisa do caminho.
Os males da alma me são mais contornáveis. 
Para o sofrimento físico, não há atalho que suavize o trajeto.


garatujas
gravetos
garranchos
espetos


Há miséria em Brasília. Crescente. 
Do dia para noite brotam estranhos monumentos. 
Pessoas dormem nos belos e agora ressecados gramados. 
Lonas improvisadas como tetos, 
trempes para cozinhar os restos, 
mulheres sem dentes avisam: temos muitos netos…
"Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de extrema pobreza e de estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades".
(Papa Francisco)


Nos séculos 17, 18, ainda não havia a teoria do espaço vazio na Física.
Mas o espaço vazio sempre foi o saco preto para os corpos mortos.
Folhas, gravetos, pessoas. O saco preto, buraco negro, ofusca a luz, materializa a ausência.
Nada escapa à impermanência, exceto o plástico.

Comentários

  1. Agosto... Melhoras rápidas, Lu!! Ahhh, seus textos! Tanta poesia ❤

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  2. Essa do saco preto me arrepiou. Muuuuito bom!

    Karla Liparizzi

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  3. Ipê amarelo: inspiração perfeita na tradução em palavras!! Guarda este para novo livro!

    Socorro Melo

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  4. Tudo lindo!

    Maria Félix Fontele

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  5. A dor passa, a poesia fica.

    André Luiz Alvez

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  6. Adorei o texto enfermo.

    Dante Filho

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  7. Ahh, seus textos... Verdadeiros presentes!

    Nazareth Pinheiro

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  8. Ah Brasília nessa época é terrível mesmo! mas por aqui nas terras altas da Mantiqueira, o bicho tá pegando tb super seco, só que tem mata pra dar um refresco…como sempre , seus textos são um presente, pra ver, sentir e refletir!!!fique bem🙏🥰
    Cynthia

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  9. "Numa densidade silenciosa e desértica de caminhos tuaregues"

    Jandira Costa

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  10. “Quando a última flor do ipê cair a chuva virá”. Dito à mim por um goiano no auge do secume do Agosto. 😘❤️

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  11. Lindos textos! Congratulations!

    Karol Simões

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  12. Gostei do "Astro-rei despetalado"!
    Massa!

    Rodrigo Holanda

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  13. Bom dia! "Astro -rei despetalado" é bonito, mas li _"despenteado"_.:)

    Valdeir Jr.

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  14. Degustar sem pressa seus criativos textos, sentir os aromas, as cores, a alegria e a tristeza…. sob medida para cada coracao ❤️

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  15. Muito bom! A do seu (raro, graças a Deus) momento doente me lembrou no início O Pulso Ainda Pulsa.

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