Homilia


Perder sogra não dá ibope. As pessoas pensam que é algo banal e até desejado do ponto de vista do imaginário popular das noras e dos genros. Aquele alívio contido em dezenas de piadas ultrapassadas.

Vida que segue, dizem alguns. Já era idosa, né? - dizem outros, como se afeto real tivesse prazo de validade.

Compreendo serem modos frívolos e desconfortáveis de lidar com o luto de outrem. O fato é que não gostamos da proximidade da morte para nos avisar: poderia ter sido você.

Um bom amigo foi certeiro: agora caí em mim, que minha mãe está mais próxima de partir.

Isso mesmo, a finitude é vida em movimento. Transmutação. Seguimos, mas a velhinha me faz tremenda falta. Era a matriarca que resistia, era o aconchego da casa de vó. "A construção de uma vida no retrato da sala de estar".

Baque. Gostava muito de estar na casa dela, rodeada por aquelas memórias genealógicas que nunca tive na minha família.

Ainda que Paula não fosse a vovozinha clássica, sempre dispunha de balinhas no potinho da estante, reminiscências familiares entre as conversas e cacarecos geracionais para serem ressignificados.

Alguns meses atrás, vovó me chamou até o closet e me entregou o casaquinho que a mãe dela, dona Elódia, vestiu na cerimônia de casamento da única filha.

Avós são guardiões de nossa ancestralidade. Sem eles, morre também o passado. Daqui pra frente é presente e futuro.

Foi-se ainda a cumplicidade das corujices que compartilhamos em fotos e relatos sobre meus filhos e seus netos. Minha sobrinha, neta dela.

Paula era uma leitora de Luciana. Trazia suas impressões sobre cada POST do blog. Ela se alegrava com as minhas pequenas vitórias literárias. Ficaria contente em ver meu poeminha estampado no Correio Braziliense.

Trinta dias se passaram e eu sigo passando na casa dela. Me conforta. Digo oi, vovó Paula! Sua fortaleza está impregnada em todos os objetos. Reabasteço-me daquele lugar mítico e sábio.

Falando em sensibilidade e sabedoria, termino esta homilia com a percepção acurada da amiga Isabel:

"Puxa, Lu, lembro bem da presença elegante dela nas festinhas, sempre com um vestido amplo e olhos miúdos, sorridentes para os netos. E lembro também da evolução do seu apreço por ela... No início, antes de Tomás e Rômulo nascerem, as falas se referiam a uma mulher exigente, algo intolerante, sogra muito sogra. Mas, depois, creio que ambas foram ficando mais generosas e abertas às diferentes opiniões e modos de enxergar a vida uma da outra. Pena, Lu, é sempre uma perda importante; vai-se a pessoa e tudo ao redor. A sogra, a avó dos filhos, a mãe do homem, a casa e suas rotinas, lugar de encontros, ouvir histórias, ver coisas e viver momentos que já não são. Ficam as memórias e nosso trabalho de mantê-las acesas pelo carinho compartilhado".



Comentários

  1. Muito lindo o texto. E a temática também é original! Aposto que ela gostou, pois você assumiu, ao seu modo, o legado de guardiã.

    Karla Liparizzi

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    1. Gostei, Loo e Karlinha! A casa da Paula guarda também um pouco da minha história itinerante, da gestação do Frederico, das idas à Asa Norte. Uma lembrança viva e importante da senhorinha dos vestidos longos, jeito turrão e afetividade manifestada de forma sempre singular. ♡

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    2. Concordo plenamente que sentimentos reais não têm prazo de validade, Lu! Lamento por sua perda! Sogra pode ser uma segunda referência de mãe pra gente! Há dois meses perdi minha mãezinha querida e o vazio a sensação de estar perdido no mundo é assustadora! É o segundo cordão umbilical que nos cortam! Mas, Deus em sua infinita sabedoria programou um reencontro pra nós! Em um paraíso eterno!

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    3. Concordo plenamente que sentimentos reais não têm prazo de validade, Lu! Lamento por sua perda! Sogra pode ser uma segunda referência de mãe pra gente! Há dois meses perdi minha mãezinha querida e o vazio, a sensação de estar perdido no mundo é assustadora! É o segundo cordão umbilical que nos cortam! Mas, Deus em sua infinita sabedoria programou um reencontro pra nós! Em um paraíso eterno!

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    4. Luciana, amei o texto!❤️❤️❤️

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    5. Sua colega de curso Bete🌺

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  2. Você disse tudo o que eu acredito, as pessoas são insensíveis quando dizem "ah, mas já era velhinha", minha saudosa avó Luiza sempre dizia, "se não nada de bom a falar, se cale" acredito que nesses momentos um abraço ou em tempos de redes socias apenas o "curtir" é melhor que um "vida que segue". Sensibilidade faz falta!

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  3. Muito bom o texto, obrigado!

    Bernardo Mello

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  4. Belíssimo texto, Lu! Dá para sentir uma saudade gostosa dos nossos entes queridos que já partiram.

    Virgínia Pozzatto

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  5. Belíssimo texto Lu querida🙏💕esse momento é sempre muito delicado…penso que o silêncio guarda em si , todas as expressões🥰
    Cynthia

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  6. Bom dia Lu, ótima semana! Nossa , bateu o maior flashback, da passagem da minha mãezinha…a sensação de vazio, saudade ao ver o ap da dona Paula, foi a mesma que sentia, as inúmeras vezes que ia lá na casa de minha mãe, sozinha e percorria todos os espaços, sentia cheiros, muitas memórias… Sempre grata por compartilhar momentos tão seus e nossos tb.

    Cynthia Chayb

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  7. Legal o texto, Lu! Desta companhia a gente sempre vai sentir saudades... Ela era sogra , sua segunda mãe... Mulher sábia que a gente visita ou visitava nos finais de semana, nos aniversários dos netos, dos vizinhos e do tios. Sempre alegre!

    Marisa Assunção

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  8. Tenho a mesma percepção da sua amiga Isabel.
    Fiquei bem admirada e contente com a mudança que houve na relação de vocês.

    Ceci

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  9. Oi, Tia Luciana,
    Muito lindo o texto. Também fui lá algumas vezes passar o tempo e também me confortou apesar da saudade. Acho que é bem isso aqui:
    A vovó na casa dela representava "a construção de uma vida na sala de estar".
    Obrigada por compartilhar o texto!

    Marina Mello

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  10. Que Deus console a Bernardo, Você , seus filhos e toda sua família.
    Não sabia que ela tinha partido para a eternidade.
    Recebam minhas orações para que Deus lhes encha de paz, felicidade e amor pelos momentos juntos.
    Recebam todos um forte abraço.
    Obrigado por todas memórias que vocês nos presenteiam com essa família lutadora e humanizada.

    Davi Ross

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  11. Uau. Olhos cheios de lágrimas ao longo da leitura. Amei o texto.

    Brunella

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  12. Sempre com sua delicadeza e sensibilidade. Lindo. Melhor: comovente.

    Ângela Sollberger

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  13. Acho que essa foi a melhor homilia que ela poderia ter.
    Eu também compartilho da opinião que nunca é a hora de partir pelo fato de se estar velhinha. Quem tem afeto, sofre e quem tem idade avançada também quer ficar mais um cadinho.

    Tania Benn

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  14. Desse sou muito suspeita pra falar que adorei.
    Tia Paula era uma vovó como vovó Elódia foi, que máximo, lembrei muito da vovó.
    O vestido dela do casamento de tia Paula era lindo. Que bom que você herdou o casaquinho. Vovó não foi uma sogra fácil, assim como tia Paula, será que vou ser igual? Sou muito parecidas com elas, você não acha?
    Ela te admirava muito, enchia a boca pra falar de você pra mim.

    Renata Assumpção

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  15. Lindo texto, Lulu! É um aconchego para o nosso coração. Dona Paula deixou o legado dela e saudades.

    Leila Cruz

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  16. Que linda homenagem e reflexão, Lu. A relação de nora e sogra é muito delicada e única. Tem gente que dá sorte, tem gente que não. Mas nada muda o fato de que somos família, as vezes aos trancos e barrancos. E nada como o tempo para nos amaciar e fazer apreciar as características peculiares das nossas sogras, até que um dia nos tornemos sogras. Sinto pela sua perda, mas que vocês continuem celebrando a vida dela. Beijos

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  17. Texto maravilhoso. Gratidão prima querida. Vamilda.

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  18. Sua homilia me emocionou, Luzinha. Levou-me de volta à sala se estar da d. Martha, tão vazia depois de sua partida, apesar de cheia de "cacarecos geracionais" pedindo um rumo. Aliás acho q isso tb contribuiu para escolher não ficar com sua casa, seria uma tarefa imensa ressignificá-la e me apropriar de seus espaços. Tb ouvi de colegas o assombro por estar sofrendo com a partida da sogra... enfim, ser mulher e levar o estandarte adiante pelos papéis q nos definem nunca foi tarefa fácil. Parabéns, querida, tenho certeza q ela te admira muito.

    Isabel Frantz

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  19. Muito bonito, Loo. Quanto mais presença, maior o vazio da ausência, e D. Paula sempre foi uma presença única, seja na versão sogra clássica (rs), seja na versão vovó ativa e poderosa ou na companheira inteligente e leitora voraz, e nas tantas outras que cada um de nós conheceu dela. Vai continuar viva no coração da gente ❤️

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  20. Que delicadeza! De onde ela estiver, vai apreciar ;)

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  21. Que bonito! 😁🌷 eu também tive uma sogra excepcional! E sinto falta dela, todos os dias. 🙏🏽

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  22. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼Maravilhoso texto do começo ao fim, num crescente emocionante. Madrinha deve ter adorado e aprovado certamente.
    Grata pela partilha,

    Guti Dib

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  23. Aí, Lu, que lindo texto!

    Alê Serra

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  24. Que emocionante. Senti o que seu amigo falou - agora só falta papai. A parte sobre ausência de passado sinto desde que mamãe morreu, se perde algo insubstituível. Natal nunca mais será como antes, encontramos outro Natal. Infelizmente é vida que segue. Sem consolo.

    Marial Heloísa

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