Neurastenia

"Não eram sonhos incompreensíveis, mas o delírio das horas vividas".

 (Patti Smith)

Neuroticismo em progressão é isto. Tive de me certificar de que não estava psicótica, pois quem sofre de psicose perde o contato com a realidade. A realidade ao meu redor está mais palpável do que gostaria. Padeço de hiper realidade, realidade aumentada, excesso do real. Os sons diários me enervam. 

O caminhão de botijão de gás, por exemplo. Toda manhã aquele barulho de um batendo no outro, a acomodação natural na caçamba. É experimentar o Dia de Marmota sem a veia cômica de Bill Murray para aliviar.

Os canos das motocicletas, cada passagem pela rua em frente mais histéricos. A vida delivery trouxe na garupa sedentarismo, obesidade e neurastenia auditiva. Sem falar nos escapamentos de carros envenenados, renascidos do inferno da década de 1970, quando éramos mais bárbaros do que hoje, se abjeto horror for possível. 

Aliás, o Brasil todo retrocede a um estado de fundamentalismo neopentecostal olho por olho, dente por dente; cada um por si e Deus acima de todos, mas um Deus bizarro, caolho, desprovido de espiritualidade. Sobra mesquinhez, preconceito, racismo e violência velho-oeste no país que chegou à idade adulta com semblante arruinado de um viciado em crack tuberculoso estendido no chão da padaria. 

O vendedor de pamonha aos berros nos fins de tarde. Jamais o pôr-do-sol foi tão pouco contemplativo. Compreendo a honestidade do trabalho dele. Já comprei muitas pamonhas, inclusive. Não são como as da minha mãe, mas não posso esperar que sejam. Nenhuma comida tem sabor de comida maternal, caso você guarde esse tempero na memória. 

O cãozinho de um dos apartamentos do prédio ao lado. Ele late de solidão. Ganidos incompreendidos. A tutora chega e só ralha com o pobre quadrúpede. Impõe a ordem na base do grito. Deveriam interná-la. Mas assim como há mães que não deveriam ser mães, há tutores desalmados à espera de um ser vivo no qual possam despejar rancores. 

A rotina do teletrabalho bem que podia ser um semiaberto invertido, né? Você passa o dia em casa trabalhando e à noite sai para a gandaia. Entretanto, no pandêmico maxi reality show MadMaxCovidFênix ninguém precisa de convites nefastos da sedutora Lilith. 

Eu avisei que estava de doer. Não posso com os ruídos da máquina de lavar e tampouco com o do teclado do desktop. 

Paro por aqui, na esperança de ainda obter o perdão dos leitores.