Vórtices
"Agora abria as janelas e portas, escancarando-as para que o ar penetrasse nos aposentos e tirasse de lá minhas ansiedades mofadas e todas as moléstias possíveis".
(Olga Tokarczuk, em Sobre os Ossos dos Mortos)
Meço a intensidade do frio pelos tímpanos.
É quando percebo que eles existem, estão dentro de mim, cravados num lugar escuro, úmido e misterioso.
A razão de meus ouvidos médios serem sensíveis às baixas temperaturas, nunca soube. Desde criança, quando ganhei a primeira bicicleta e imprimia velocidade pelas ruas da quadra, descobri que o vento gelado ia de encontro ao orifício da orelha como uma nota aguda do violino a tocar no interior do cérebro.
Enquanto os tímpanos hibernam, ainda não se inaugurou a friagem invernal. É um indicativo.
Nem sequer os fones são capazes de impedir a conexão do sopro gélido com as membranas da janela oval. Pensar que não apenas os olhos estão abertos para captar as nuances da vida. Bonita essa imagem: um ovo, a forma perfeita da natureza, para sempre escondida em você. Um paradoxo que por dentro tenhamos essa delicadeza, pois, exteriormente, as orelhas são feiosas, de abano, grandes, amassadas.
Nada há de especial nas minhas, além da possibilidade do adorno. Brincos são acessórios que estimo. Irresistíveis bugigangas.
Na caminhada de hoje, voltei a sentir que o inverno se aproxima. Será mais rigoroso do que os dos últimos anos? Espero que sim, com certa culpa pelos tempos de vírus apocalípticos.
Posicionei as mãos em concha (outra estrutura natural primorosa) sobre os vórtices a sugar as correntes aeradas sibilantes até o fundo do cone auditivo. A vibração da corda esticada do instrumento soava dolorosamente, todavia o calor do tato acalmou o lamento.
Segui revigorada na direção do horizonte gris-alaranjado.
Prefiro calor Mana Lu
ResponderExcluirLu, muito bom! Sua arte de escrevinhadora é estimulante é às vezes um alento para períodos gelados. Grata por compartilhar sempre comigo.
ResponderExcluirÂngela Sollberger
Adoro os dias que estão fazendo aqui... Sol, céu de um azul estonteante em constraste com as montanhas e matas, e frioooooooo, “pero no mucho”!
ResponderExcluirE o segundo livro?! Está encaminhado?
Cynthia Chayb
Frio no tímpano é novidade pra mim.
ResponderExcluirAcredito que seja um caso inédito na medicina.
Por aqui esse frio só se insinua.
Manhãs gostosas.
Tardes vulcânicas.
Noites amenas.
Valdeir Jr.
Que lindo, Lu. Amei. Cuide bem do ouvido. Hoje vento gelado. Beijo.
ResponderExcluirAna Cecília Tavares
Adorei o texto, quero friozinho!
ResponderExcluirRenata Assumpção
Delícia de texto. Mas que agonia no ouvido, ui!
ResponderExcluirClarice Veras
O frio não atinge minhas orelhas, mas queimam os meus lábios. Odeio o frio. Adorei o texto.
ResponderExcluirAndré Luiz Alves
Legal!
ResponderExcluirRodrigo Holanda
Muito bom!
ResponderExcluirLuciano Villalba Neto
Nunca tinha lido um texto tão poético sobre as orelhas e seu mundo interior.
ResponderExcluirAna Cristina de Aguiar
Prosa poética das melhores.
ResponderExcluirMaria Félix Fontele
Pra mim, frio é bom porque convida ao vinho.
ResponderExcluirAna Cláudia Loiola