Rainha do lar





Dizem que ter cachorro é igual a ter filho. Mentira que só quem não tem filho, mas tem cachorro corrobora. Porque amar um cachorro é muito mais fácil do que amar um filho. O cão não lhe dá motivos para chorar, a não ser quando morre. Talvez lhe dê alguns aborrecimentos bestas como fazer xixi no tapete só para mostrar que está contrariado contigo, roer o pé dos móveis e engolir chinelos, quando filhotes.

Filhos, ao contrário, te tiram do sério a vida toda por N motivos, dos mais relevantes ao mais idiotas. Cachorros são feitos para não te levar a sério nem um dia sequer e, por isso, são leves e afáveis.

Cachorros não cobram e não perguntam, apesar de também fazerem caras de carência e de incompreensão. Entretanto, não fecham o tempo se você não os corresponderem da maneira como esperam ser. Eles criam menos expectativas. Os filhos, mais.

Cães te fazem companhia pelo simples fato de que nasceram para ser parceiros. Ficam ao seu lado na cozinha, esperando alguma lasquinha da preparação do almoço, claro, não são tão magnânimos. Diga qual filho é! Os peludos mais abusados roubam comida. Filhos também comem aquele pedaço de bolo que você deixou para mais tarde e quando vai procurar, babau.

Escrevi um texto sobre gatos que fez sucesso impensável (foi até vertido para o inglês) para alguém que nunca teve um gato. Senti que precisava falar sobre ter um cachorro para alguém que também nunca teve especial predileção pelo melhor amigo do homem.

Sem dúvida, um amigão. Daqueles que reafirmam, diariamente, que estão contigo para o que der e vier. Apenas a presença dele ali, ao seu lado, serena e silenciosa, é capaz de trazer harmonia e contentamento.

Há os barulhentos como aquela sua amiga que não para de falar um segundo (será que sou eu, meu Deus). Todavia, reconheço a predileção pelas personalidades reservadas. Eu já sou espalhafatosa demais, me canso de mim. Por isso Frida e eu nos damos tão bem. 

Converso com ela e ela me retribui seu olhar altivo e entediado: essa mulher pensa que eu sou retardada. Eu rio. Ela abana quase imperceptivelmente o rabo somente para que eu saiba que ela me ama, embora insista em tratá-la como uma cachorra.

Sem falar nos inúmeros apelidos e rimas que lhe dou sem nenhuma veracidade (OK, alguma): Frida Fedida, Fridonha Medonha, Fridinha Fofinha, Frida Perdida, Fridinha Tolinha, Raposinha, Katsune, Lady Frida (esse é o único que ela aprova sem ressalvas).

Se não fosse a Frida nessa vida repleta de testosterona, estaria mais sequelada, admito. Ela identifica a nossa vontade de solidão e a impaciência que nutro pela eterna imaturidade masculina. Fica na dela igual gosto de ficar na minha. Aguarda tranquila à porta do quarto para me saudar pela manhã, uma saudação ao sol demorada, yoguine que só ela. Às vezes solta um uivo simpático, mais bem-humorada do que os filhos que grunhem uma resposta atravessada quando me ouvem de primeira, quase um milagre.

Ela morre de preguiça, mas não recusa uma boa bateção de perna feminina. Quem não tem mãe ou filha, caça com cachorra. Grata sou por Frida haver me acompanhado e me obrigado a sair nos dias imersos na melancolia do inverno "mais estrangeira no lugar que no momento, seguindo mais sozinha caminhando contra o vento". 

A real é que cães não são filhos, porém são. A gente se pega pensando quando eles não estiverem mais conosco. Tem medo que eles morram atropelados e sofre quando eles machucam o dedo porque pularam aos trambolhões do carro.

Pressinto que um dia serei a velha com a gata chamada Maude, em tributo à personagem do filme Ensina-me a Viver. Mas é Frida quem me ensinou a existir com menos neura de limpeza e com maior compreensão do amor inabalável que os animais nos devotam. 

Tenho natureza felina, esquiva, afiada. Entretanto é você, Frida, quem vai ganhar uma foto gigante na biblioteca que vou construir, viu? Aguente firme, garota! Você é ou não é a cachorrinha da rainha Elisabeth highlander? 


Comentários

  1. Que texto lindo! Eu também me pego pensando como ficarei sem Marie. Mas já sei o que farei: adotarei outra de rua. Fico cheia de gratidão quando vejo como a vida de Marie mudou comigo. Uma cachorra de rua que passava fome, sede e frio e apanhava, hoje dorme em uma caminha fofa com cobertor. Ela ainda é assustada mas tem uma confiança inabalável em mim. Temos mesmo muito a aprender com os cachorros. Eu não tenho filhos, mas como filho é gente, creio que ter um cachorro é mais fácil de lidar. Onde tem gente mora a discórdia kkk. Beijos amiga pra você e Frida.

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  2. De fato são fiéis, não é mesmo?
    Como vc disse, ficam ali esperando um carinho, uma migalha e não nos cobram nada.
    Meu amor por eles é como o da Felícia, gosto de esmagar, mas a minha não permite. Sorte a dela. KKK!

    Djelaine Castro

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  3. Cachorros proporcionam uma troca muito grande. Eles são capazes de reagir de forma muito enfática a nossas emoções (ao menos o meu cachorro). Eu passei a compreender melhor quem projeta relações humanas nos cachorros. Embora continue não concordando, hoje eu compreendo quem trata como filho.

    Arthur

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  4. Ameeei!
    Vc deveria adotar um gato. Pense nisso! A minha gata é igualzinha a Frida . Só não abana o rabo, nem late. kkk
    E vc coloca o nome de Clarice.

    Karla Liparizzi

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  5. Que lindo! Eu também nunca me imaginei com cachorros. No máximo um gato. E agora tenho dois! E dos melosos, escandalosos, pura emoção. Estão aqui do meu lado esperando cair uma comida da mesa. Kkkk

    Ana Claudia Loiola

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  6. Sempre leio com surpresa seus relatos sobre a Frida. Ainda lembro de uma conversa nossa na Redação em que vc defendia os gatos, e eu os cachorros. Hoje vc tem a Frida, e eu sou a fiel humana de três gatas de "personalidades" distintas e de uma que segue agora como uma estrelinha iluminando o meu céu, junto com todos os meus filhos já idos que não falavam como nós, mas com os olhos e o coração. Ainda dói de lembrar. Vida longa e feliz à Frida e a sua humana de estimação.

    Regina Célia Amaral

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  7. Que bela declaração, Lu. Frida com certeza está orgulhosa dessa mãe tão amada (ela sabe muito bem que tudo que vc escreveu é a mais pura verdade). É um amor Incondicional que esses sereszinhos despertam em nós.

    Cynthia Chayb

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  8. Amei o texto! E obrigado pela dedicatória.

    Nelson Reis

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  9. Ahhhh que legal o texto! Adorei! Tenho um duque que se chama Duque! Kkkk refinado, comedido e carinhoso! Me acompanha onde eu for pela casa! Ele tem 15 anos e a cabeça já está branquinha! Seus passeios são mais curtos... A vida seguindo seu rumo... Companheirão que nem quero imaginar quando ele se for... Vai ficar um buraco negro! É um amor imenso por esses bichinhos não é?
    Beijos Lulipices!

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  10. Peraí que vou primeiro desembaçar a vista turva... Ai, ai, minha amiga...Como você materializa emoção através do "letrês". Te amo.

    Marcia Renault

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  11. Superar a neura da limpeza é foda.

    Valdeir Jr.

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  12. Que lindo texto! Amoroso, sensível e emocionante!
    Bjs,
    Mona

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  13. Se a Frida pudesse ler, ela ficaria ainda mais dengosa, companheira e amiga com a declaração de amor. Ah, mas nem precisa, né, ela já sente a afeição na troca de afagos e olhares entre "mãe e filha". Temos dois peludos em casa, o Lobo, já um senhor, e a jovem Filó, recém-chegada, pela qual o dono do pedaço já se afeiçoou, passados aqueles dias de adaptação conflituosos. Como é bom chegar em casa e encontrá-los sempre dispostos a manifestações de carinho. Os cães (e gatos) são incríveis e me delicio vendo vídeos de brincadeiras desses amigos do homem, como lembrou você, Lu. Beijos, miau, au-au 🐕🐈🥰

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  14. Ah, Lulu, cachorros são nossos filhos que não vão embora...que não crescem, que ficam ali conosco no sábado à noite. Deus pensou em tudo!

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