In saecula saeculorum





Nunca gostei do final de Turandot. Um anticlímax que sempre me intrigou. Ontem, no programa This is Opera, entendi porquê. Não foi Puccini quem a terminou. Suas últimas notas para a história morreram com o suicídio altruísta da personagem Liú. O dueto final foi escrito por outro compositor e, sem dúvida, não tem nem a beleza nem a força que desfrutamos no restante da apresentação. 

Lindo foi quando Ramón Gener (o idealizador e apresentador do programa transmitido pelo canal Arte 1), entra no Teatro alla Scala de Milão - um templo que ainda vou conhecer - e afirma: Puccini termina aqui e eu também termino aqui a sua ópera. Euzinha, apenas uma conhecedora sentimental da obra dele, sempre quis que Turandot acabasse ali, após a morte de Liú. Foi uma comunhão de almas que combinou muito com a aniversariante da noite de segunda, 17 de junho, minha soprano preferida: Elisabeth Ratzersdorf.

Que sorte haver assistido a duas encenações de Turandot no Metropolitan Opera House, em Nova Iorque, num intervalo de mais de uma década entre elas. A primeira, com Plácido Domingo no papel de Calaf. Defendeu, como só um gigante poderia, uma das mais belas árias do repertório operístico: Nessum Dorma. A segunda, com cenários deslumbrantes, um tenor sem graça, mas, em compensação, uma Turandot magnífica: teatral e diáfana como deveria ser uma princesa do milenar império chinês. 

Existem essas canções que sempre vão nos emocionar de um modo visceral, provocando um rebuliço nas entranhas. Nessum Dorma é uma delas. É ouvir e chorar. 

Também ontem, descobri que tenho algo em comum com o escritor português Valter Hugo Mãe: ele se condói profundamente com Legião Urbana, principalmente com Tempo Perdido. Assim é comigo. Ouço e acompanho aos berros, engasgada. Não há outra opção. 

Madama Butterfly basta que se mencione o nome para me fechar a garganta. Um dos momentos que mais chorei em público nessa vida. Pelo menos paguei mico chique, sentada na poltrona do Family Circle da casa da Ópera na Big Apple.

Engraçado que ontem não senti o arrepio no cangote ao ouvir Nessum Dorma pela TV, mas, sim, nos joelhos. Achei divertido.

O que será que há nessas canções que nos desmontam? É o clichê em suas melodias? Seria a poesia? Que gatilhos ancestrais elas trazem para a superfície da pele? Os mortais nunca saberemos. Já os imortais como Puccini e Renato Russo intuíram, de algum modo, que falaríamos e nos (re)apaixonaríamos por suas obras-primas in saecula saeculorum, amen.



Comentários

  1. Lu, inclua esse seu texto no blog! Não porque eu fui mencionada - aliás, pode suprimir a menção sobre mim - mas é grandioso como os outros que vão ser selecionados para seu próximo livro!!

    Elisabeth Ratz

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  2. Lu, sua cara esta mulher da ilustração! Lindeza!!!

    Bianca Duqueviz

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  3. Parece mesmo!
    Célia Akiko Hasimoto Nogueira

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  4. Lu, é tal e qual. Sem tirar, sem por.

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