O Judiciário brasileiro em busca de sua terra de OZ




Cérebro, Coração e Coragem na aplicação do Direito Sistêmico para solucionar conflitos sem litígio


Estou trabalhando na Seção de Educação a Distância, mas gosto mesmo é de estar perto das pessoas. Dias atrás, li uma notícia apresentando um estudo que conclui que as crianças e jovens aprendem melhor nos meios impressos do que nas telas on-line. Tendo a concordar fortemente com resultado da pesquisa. 

Por mais que o pôster da sala de reuniões mostre um tiranossauro rex adornado pela frase: “Cuidado com a fossilização!”, sinto-me exatamente assim: jurássica para esses cursos em módulos feitos pelo computador. Zero vontade de me inserir nesse mundo. Por isso, quando pinta algo presencial com um tema pelo qual nutro interesse (difícil no espectro de um tribunal), corro para me inscrever. 

Assim foi com “Inovações na Justiça: O Direito Sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos”. Inovar é comigo, então, vamos nessa! Além disso, já tenho um conhecimento básico da técnica que seria abordada no evento: as Constelações Familiares. 

Mas não estava esperando nada demais do encontro. Melhor assim, pois me surpreendi positivamente. Tive contato com juízes e desembargadores que estão aí, mão na massa, fazendo bem para o Brasil. Num momento tão desesperançado, com o nosso sistema judiciário mostrando sua face podre todos os dias na TV, é reconfortante saber que há servidores públicos que arregaçam as mangas e buscam saídas honestas, comprometidas e ousadas nessa área tão afeita aos seus tradicionalismos viciosos. 

Não que eu não conheça uma galera assim aqui no STJ e no meu círculo de amizades. Todavia, ver profissionais empenhados lá nos confins do Brasil: Amapá, Rondônia, é estimulante. Deixa o coração da gente mais aliviado de que a roda está girando, bem ou mal, para a frente, no Brasilzão abissalmente desigual.







“O Fórum não é o único caminho”

A abertura do workshop foi feita por Marco Buzzi, ministro do STJ. Ele não é do meu tempo de cobertura das sessões de julgamento. Me pareceu espirituoso e descontraído, o que é já é um avanço. Ele apresentou dados acachapantes da UTI que se tornou o sistema de prestação da justiça no Brasil, a fim de enfatizar que os métodos de conciliação são irreversíveis no país. “A não ser que se fulmine as novas leis, inclusive o novo Código de Processo Civil”, brincou. 

Em 2016, foram 29 milhões de processos e 30 milhões de sentenças proferidas num país com mais de 90 tribunais. Loucura! Porém, mais insano é saber que temos 18 mil juízes analisando, em média, sete processos por dia! 

Buzzi relembrou à plateia que métodos conciliatórios de resolver problemas já existiam desde a época de Genghis Khan e da Roma antiga. E que agora estão voltando à baila para desafogar um Judiciário que custa 85 bilhões por ano, de acordo com dados de 2016. “Gastamos quase dez vezes mais do que os EUA, que uso como comparação devido à extensão do território e tamanho da população”, explicou. 

O ministro ressaltou que não pode haver mais justificativas para a não aplicar a conciliação entre as partes porque não falta estrutura, uma vez que existem Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) espalhados por todo o país. (Eu não tinha a menor ideia sobre a existência desses espaços!!). “Sem falar nas audiências fora dos tribunais, virtuais, a mediação itinerante e a informal, além de um cadastro de conciliadores à disposição da Justiça. Portanto, o argumento da falta de condições não é consistente”, pontuou Buzzi. 

Entusiasta da Constelação Familiar, Buzzi afirmou que para cada conciliação obtida, 20 processos deixam de entrar para o engarrafamento do Judiciário. “A Constelação Familiar estimula a conciliação; auxilia a identificar a origem do conflito. Passamos da era dos direitos proclamados para a dos direitos concretizados”, finalizou.






Céu de Estrelas

Mas o que vem a ser essa tal constelação familiar? Bem, o workshop pecou nesse quesito, pois não explicou claramente aos presentes, partindo do pressuposto que a maior parte dos participantes já tivesse algum conhecimento sobre o tema. Provavelmente sim, pero não custava nada pecar pela redundância. 

Em termos rasos, a constelação é um tipo de técnica terapêutica que trabalha com sistemas de pessoas. Criado pelo filósofo alemão Bert Hellinger e influenciado pela terapia familiar de Virginia Satir e pelo psicodrama de Jacob Moreno, as Constelações Familiares ou Sistêmicas partem do pressuposto que, assim como conjuntos de estrelas formam figuras no céu (constelações), os seres humanos estão ligados em um sistema constituído pela família (através das gerações) e relacionamentos importantes que temos (como casamentos -atual ou anteriores – filhos, irmãos). 

Hellinger desenvolveu a Constelação Familiar há mais de 40 anos. Por meio de suas experiências e estudos ligados à Psicologia e sistemas familiares, ele observou que é possível enxergar as dinâmicas que atuam na vida de quem “constela”, ou seja, de quem participa do processo terapêutico, utilizando representantes e atribuição de papéis para cada participante. Os movimentos e as sensações corporais das pessoas envolvidas, numa sessão de atendimento, são um mapa que podem levar ao caminho para a “cura” de diversos problemas pessoais ou profissionais.

Pionerismo

Foi exatamente o que descobriu o juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia, Sami Storch, ao entrar em contato com o método em 2003. “Percebi que a Constelação poderia resgatar um pouco da paz social que anda esgarçada no Brasil. A decisão judicial que só olha para a superfície do problema não abarca a real resolução do mesmo. Para tratar de conflitos legais é preciso humanizar. As constelações familiares tratam a alma do que está mal resolvido”. 

Storch foi o primeiro juiz a utilizar as técnicas de Hellinger no sistema judiciário brasileiro. “Eu me sentia enxugando gelo, a sentença, que significa “ao meu sentir”, havia perdido seu sentido mais profundo. O juiz assina e sabe que vai haver recurso contrário”, ponderou. 

O juiz contou que começou a imaginar os sistemas familiares por trás de cada parte na disputa. Adotou algumas frases de Hellinger e a técnica do olhar durante as audiências. “A eficácia dessas experiências foi fenomenal. Me incentivou”. 

Desse modo, Storch implentou o que denominou como Direito Sistêmico, na Vara de Família e depois na Vara da Infância e Juventude, onde casos dados como perdidos foram revertidos. “A constelação traz uma ressonância e afeta positivamente os não-envolvidos diretamente com aquele sistema trabalhado”, garantiu. 

Sami aposta na capacitação de juízes e demais operadores do Direito para tornar o método da Constelação disseminado no Judiciário. “Não dá para explicar a Constelação em manual ou cartilha. É preciso se expor ao fenômeno que se apresenta naquele momento, pois cada caso é único. Por isso capacitar é o único caminho”, defendeu e foi aplaudido de pé.







Do eu para o nós

Pedindo desculpas por não falar Português, a professora e advogada argentina Cristina Llaguno, trouxe seu testemunho de quem atua há 35 anos na advocacia e há dez não leva um caso para os tribunais por causa da utilização da Constelação tanto individual quanto coletiva em disputas familiares, comerciais e até penais. 

“Quando comecei a falar da Constelação, me disseram: “isso não vai funcionar porque você fala de alma e nós, advogados, não a temos”, contou, arrancando risadas do público no auditório do Conselho da Justiça Federal. 

Com serenidade, Cristina lembrou que desde a faculdade os futuros advogados aprendem a se alimentar de conflitos. Entretanto, “deveriam estar a serviço da reconciliação e da paz, pois, recorrentemente, a parte que ganha a causa continua a achar que não houve Justiça”, assinalou. 

A professora afirmou estar interessada no antes, no durante e no depois do problema judicial levado até a sua mesa. “A gente compreende que há uma necessidade de resolver questões na vida da pessoa que está na nossa frente. Minha percepção de que o culpado é sempre mau mudou depois de Bert Hellinger”, confessou. 

O último a dar seu depoimento na manhã foi o estranho no ninho do Direito, mas não da Constelação: o médico Décio Fábio de Oliveira Jr., responsável por várias traduções de obras sobre o assunto. 

“Tive meu primeiro contato com o método de Hellinger em 1999, depois que li “A Semetria oculta do Amor”. “Achei interessante, mas como médico cirurgião cartesiano, não creditei de jeito ninhum”, revelou, com seu sotaque mineiro. 

O médico narrou que um dos seus filhos gêmeos era irascível na infância. E Hellinger o fez entender que se o filho dele não o respeitava era porque ele próprio não respeitara o pai. “O filho contém em si a alma de seus pais. A alma de sua ancestralidade”, filosofou bertianamente. 

Agora, após 19 anos de experiência com a abordagem sistêmica, Décio defende a massificação da Constelação no Poder Judiciário, institucionalizando a técnica a partir de uma mudança de postura dos próprios operadores do Direito. “Advogados e magistrados precisam fazer um ajuste interior prévio”, destacou. 




Iluminações

Conectando a questão do alinhamento interior abordada no fim da manhã, o desembargador Walter Waltenberg Silva Júnior, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, começou a conversa da tarde alertando para o problema da “depressão do juiz”: “Os processos somem dos olhos porque estão no escaninho digital, mas não somem da mente. Daí, temos juízes medicados devido à pressão da demanda inesgotável”. 

Diante de uma realidade tão adversa, o TJ/RO foi o primeiro tribunal do país a oferecer 12 módulos de Constelação Familiar aos magistrados. “A ideia era curarmo-nos antes, para depois curar o jurisdicionado”, afirmou. 

Para Walter, o juiz que se acalma, que “cicatriza feridas internas”, consegue ver com mais clareza a demanda do outro. A proposta deu certo: mais de 50 juízes se inscreveram no primeiro módulo do curso, 27 estão formados e as consequências da iniciativa, segundo o presidente, foram: aumento da produtividade, crescimento do número de conciliações, melhoria da saúde dos magistrados, como também na qualidade das sentenças proferidas, que foram além da percepção do processo em si. 

Lá do longínquo Amapá, o encontro nos presenteou com uma presença iluminada, a da desembargadora Sueli Pereira Pini, do Tribunal de Justiça daquele estado. De voz gentil e acolhedora, a magistrada nos informou que o Amapá foi o estado que mais fez conciliações em 2017. Logo em seguida, provocou a plateia: “A conciliação é tão boa, mas tão boa que não precisa terminar em acordo, gente!” 

Como assim? “Nós juízes, às vezes não deixamos a parte sequer falar! Que violência! Numa conciliação, a pessoa fala e isso já traz o apaziguamento imediato ou, nas dobras do tempo. Estamos fazendo uma Justiça quântica”, improvisou, sorrindo e fazendo o público sorrir. 

Mãe de dez filhos, a desembargadora salientou que a boa Justiça pode ser feita até debaixo de uma árvore: “Não esperem tudo ficar pronto. A constelação não pode ser um modismo no Judiciário. Na minha família, eu não tenho constelações de problemas, e, sim, galáxias. Só assisti a uma manhã da técnica sistêmica de Hellinger, cheguei em casa, apliquei e mudou uma história lá em casa”, testemunhou.






Transformação em ação

Determinada que só ela, Sueli encampou o projeto “Constelação Familiar no Cárcere”, no qual 20 presas e 15 presos passaram pelas dinâmicas terapêuticas da técnica. O resultado foi o melhor possível: mudança comportamental dentro dos presídios e nos relacionamentos com a família. Muitos dos detentos voltaram, inclusive, a estudar. 

“Nossa trilionária indústria do processo precisa ter fim. A Justiça deve presar pelo humanismo. O juiz precisa ver a pessoa!”, concluiu, também sendo aplaudida de pé. 

E assim a tarde passou rápido, na companhia de dezenas de relatos de projetos bem-sucedidos nos judiciários de vários estados. Poderia discorrer sobre todos, mas daria uma tese e não um textão. 

Para mim, a essência do workshop pode ser traduzida numa única frase da desembargadora supermãe (como é que pode ter dez filhos e ainda trabalhar desse tanto?): “Tem uma legião de nós querendo melhorar isso!”. Um contraponto essencial ao "tem que manter isso, viu?" que nos assombra.

Que bom! Saí do CJF com uma fagulha de orgulho dessa gente que faz e que semeia as sementes de um Brasil melhor do Oiapoque ao Chuí. 



Comentários

  1. Interessante. Pena que, como quase tudo na vida, peque pelo exagero né? Essa do filho conter a alma dos pais foi o fim da picada kkkk Mas guardadas as devidas proporções e com tantos casos de sucesso, deve ser uma técnica a ser considerada.

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  2. Orgulhosa sim, sempre fico feliz quando sei que a luz,o foco bem direcionado produz resultados como esses descritos por vc nesta palestra,muito bom saber que a terapia da Constelação Familiar tá dentro,tudo está interligado numa constelação,numa rede cósmica,pra mim é a partir dessa perspectiva que temos todas as possibilidades de resolver todas as questões...bjusss

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  3. Que legal Lulu! Amei essa coisa inspiradora logo ao despertar. Já constelei alguns temas e tem outros tantos a constelar. Mas vou com parcimônia, que o negócio é forte e cada problema tem a sua hora de ser curado!

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  4. Querida menina, é sempre bom receber seus textos e as lindas fotos que os acompanham. Grande abraço da mãe postiça.

    Maria Inez

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  5. Querida Lú, demais seus artigos, agora que não vejo face me abri para novos momentos como seu textão, que inclusive já repassei para uma amiga apaixonada pelo tema, hoje em curso para ser consteladora. Parabéns pelo dom da síntese em pormenores, parecia que estava lá no CJF,

    beijos,

    Maria Heloísa

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  6. Muito feliz por ver o Judiciário se abrindo para novas experiências. Que bom que você gostou desse seminário. Como te disse, achei que seria totalmente “chapa branca”, mas até que trouxeram pessoas interessantes, de lugares diferentes, com boas histórias pra contar. Desejo que esse movimento continue e que a Justiça possa encontrar seu verdadeiro caminho, de pacificação. Seu registro está bem completo e interessante, valeu moça!!

    Mônica Emery Ramos

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  7. Excelente apanhado, amiga! Só faço o adendo de que constelação não é psicoterapia, mas uma técnica terapêutica breve, que muitas vezes se alia à psicoterapia na busca de soluções para conflitos internos. No evento que teve na UnB também foi muito bonito ver tanta gente na educação fazendo diferença. E vamos em frente!

    Marisa Andrade

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  8. Adorei o texto! Ressalto que aqui no DF a colega Magáli Dellape aplica o método como forma de resolução de conflitos e tem obtido bons resultados!

    Ana Claudia Loyola

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  9. Lú muito bom seu artigo, mas conheço constelações familiares como terapia na parte esotérica, metafisica, um campo que amo, mas me parece que é a mesma coisa vou pesquisar e depois te conto, já fiz um curso e uma sessão. Que caminho maravilhoso esse para Justiça.

    Renata Assumpção Queiroz

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