Aladas




What if God was one of us?
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Tryin' to make his way home?”
(Joan Osborne)

Você sai da consulta da nutricionista, que não lhe vê há três anos, com todas aquelas boas intenções de manter uma dieta mais saudável, rica em dezenas de sementes, cascas, brotos e óleos vegetais que fazem os olhos da Bela Gil brilharem comovidos. 

Até que gosto dessa vida de passarinho, me alimentando de tudo o que é tipo de alpiste, “seed-girl”. O problema é me lembrar de fazer essas coisas todas na insanidade da rotina de mãe, esposa e assalariada. Mas não custa, aliás, custa caro, sim, essa tal existência gastronomicamente sustentável. Mas não pesa na alma a boa vontade de incorporar alguns desses nutrientes na salada do dia-a-dia. 

A loja de produtos naturais parece um mercado persa de tantos cheiros, temperos e nomes esquisitos: chia, quinua, cânhamo, goji berry, alfarroba, gergelim, linhaça, amaranto (será que foi daí que Gabriel García Márquez tirou a alcunha da Amaranta Úrsula, a inesquecível personagem de Cem Anos de Solidão?), colágeno hidrolisado, albumina, lupino perene... 

Esses alimentos aviários nos prometem uma alimentação mais rica em vitaminas (em contrapartida, uma conta bancária mais pobre), auxiliando, na diminuição do peso, do colesterol, da famigerada celulite. Também debelam a insuportável prisão de ventre e aumentam a massa magra das mulheres neurotizadas (redundância) com seus quilos extras. 

Boto fé. Comer verduras, frutas, castanhas e assemelhados não me incomoda. Assim como sempre gostei de fazer exercícios físicos, sempre comi mais colorido. Mamãe era muito persuasiva nesse quesito. Crescer na roça tem suas vantagens, ou melhor, só tem vantagens. Sou uma privilegiada, eu sei.

Em compensação, a genética não foi nada generosa comigo, menina disciplinada, que come bem e pratica atividades diversas desde os sete anos de idade. Era para eu estar bela como a Gil, todavia, tô mais para um barril. De chope, que não bebo. 

Ah, esses padrões que a gente consciente ou inconsciente busca alcançar. Nem me considero uma escrava da pressão social, mas o Brasil é horroroso com as mulheres. As roupas justíssimas e curtíssimas; a praia; o eterno verão. Haja autoconfiança para sair de camiseta por aí depois dos 45. 

As mulheres brasileiras são tão enlouquecidas que agora não se contentam mais em ter corpo de 20 aos 60 anos. Elas querem ter vagina de virgens também. Minha ginecologista há 11 anos anda escandalizada com as pacientes ensandecidas. Outro dia, desabafou: “Não existe padrão Gisele Bundchen de perereca não!” 

Pois é, mulherada, cada periquita é individual e exclusiva. Don’t worry, be happy! Quem vê coração não vê vulva! Será que contribuí para reduzir o excesso de plásticas no clitóris? 

Eu, hein, é cada uma. Me inclua fora disso. Basta as sementes de abóbora e girassol, sem falar que agora o óleo de girassol está condenado, assim como o de canola... 

Mas como eu ia dizendo, estava na lojona de produtos naturais, na fila do caixa, a mão carregada de saquinhos coloridos com pós mágicos + um garrafão de suco de uva integral, quando ela surgiu à porta. Joana e seu cabelo de nuvem branquinha-azulada. Joana, já decantada em prosa no meu blog. Ela, a cidadã invisível mais visível da Asa Sul. 

Chegou com sua vozinha doce de rolinha (então estava no lugar certo): 

- Eu ressuscitei. Morri e ressuscitei! 

Olhei para ela ternamente e lhe sorri. Foi a senha para a avezinha se aproximar e pedir com uma doçura que renderia até os desalmados: 

- Você pode comprar um biscoito para mim? 

Claro que sim, Joana, que não recorda do texto que lhe escrevi e que lhe entreguei depois de tanta insistência. O rosto dela tão próximo do meu que quase lhe estalei um beijo!

- Mas qual biscoito? 
- Eu escolho. 

E lá foi ela pelas prateleiras, diáfana, segurando suas sacolas de vento. Voltou com um pacotinho de cookies de aveia e passas. Paguei, ela agradeceu e reafirmou: 

- Disseram que eu morri, mas eu ressuscitei. 

O espírito da Páscoa atrasado abria suas asas de sabiá sobre mim, amém! 


Comentários

  1. Você se supera a cada postagem!!!
    Muuuito bom! Morri de rir! Morri de concordar... :)

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  2. Gostei das viagens arrematadas com os cookies ao final, ótimo texto!!!!

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  3. A moda agora é mostrar o corpo natural, não viu a Preta Gil e a Luísa Sonsa sendo ovacionadas na rede por suas estrias e celulites? Até parece que isto corresponde mesmo a realidade do nosso dia a dia né? Para manter a saúde física, cheguei a conclusão que não precisa nada destes produtos mirabolantes, estou me adaptando a comida de verdade "bicho e planta" kkkk. Quanto a Joana, outro dia a via na comercial da 208 sul, claro que me lembrei de você, até tentei tirar uma foto, mas ela no seu corpo esguio e flutuante conseguiu desaparecer em um fração de minutos. Adorei o texto! Bjs

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  4. Sempre se superando...amo os seus textos...como é gostoso de ler,me diverti muito😂😂😂😂

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  5. Sempre se superando...amo os seus textos...como é gostoso de ler,me diverti muito😂😂😂😂

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  6. Luciana minha amiga... dei risada!!
    Comer alpiste, periquitas e a sua amiga Joana...
    Doidera geral!!

    Um beijo,

    Paulo Magno

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