Achado não é roubado?



"É preciso criar no Brasil, defendeu Barroso, uma cultura de "não aceitação do inaceitável" e de "praticar padrões éticos normais"."


Mudanças comportamentais civilizatórias num grupo social às vezes levam décadas para se concretizarem, mas, quem sabe, estão de fato acontecendo no Brasil a tempo de que eu possa me alegrar com elas.

Sempre achei que o nosso país seria melhor depois que eu já estivesse tocando lira com os anjinhos de cabelos encaracolados. Todavia, começo a perceber alguns movimentos positivos despontando na lida diária.

Não no trânsito, selvagem em boa parte das cidades brasileiras. Aqui em Brasília, as faixas para pedestres seguem desafiando a falta de educação dos motoristas que insistem em rodar dentro da cidade como se estivessem numa autobahn. Depois reclamam da tal “indústria da multa”. Falácia. Raramente levo uma multa pois tento me educar diariamente para não cair na tentação de acelerar nas avenidas planas e largas da capital federal.

Me dá muito medo um filho meu atravessar a faixa por aqui. O que está de um lado para; o outro não. Vem à toda sem notar o carro parado e, muito menos, o pedestre que já está na metade do caminho. 

E mesmo quando todos os carros param como deveria ser, não deixa de ser triste presenciar o coitado do transeunte correr coagido, como se estivesse pedindo perdão por “atrapalhar” os poderosos carros, avançando seus motores um palmo e meio adentro da sinalização da faixa, prontos para fazer strike, numa postura claramente agressiva em relação ao cidadão a pé, geralmente o coitado fodido da nossa linda sociedade escrotamente desigual.

Que prazer tranquilo é poder atravessar uma rua com a garantia de respeito ao seu direito de ir e vir. A gente volta a ser inocente depois que passa uma temporada em países nos quais a questão já está pacificada há muitas gerações. 

Porém, temos evoluções que valem registro em outras searas. Uma delas, o debate político, ainda que celerado. Estamos, pela primeira vez, discutindo mais nossas mazelas administrativas do que os resultados do futebol. E num ano de copa do mundo, o assunto não pegou nas rodas de whatsapp, na mídia e entre os taxistas e ubers. Não é incrível?

Outro ponto que considero relevante citar é o crescimento nos índices de nossa honestidade individual. Sempre me revoltou a mãozinha fácil do brasileiro para justificar sua conduta desonesta com o tal “achado não é roubado”. Meu caçula é o rei do esquecimento de coisas em qualquer lugar. Raras vezes consegui recuperar os pertences dele no clube, na escola, na quadra...

Algumas ocorrências recentes me levam a acreditar que estamos assimilando a consciência da retidão, percebendo que a corrupção pode começar dentro de casa, com pequenos desvios de comportamento. Meu filho mais velho deixou o celular cair numa rua de Goiânia. Não é que a moça que encontrou ligou para gente e guardou o celular até um amigo nosso pegar com ela? 

No sábado passado, minha bolsa (bonitinha e novinha) caiu do carro no meio rua em frente ao meu bloco (filhos saindo desembestados do automóvel e arrastando tudo com eles, acreditem). Tudo dentro, inclusive 200 reais. Um mecânico encontrou meu objeto do desejo e, no caso, do desespero, e deixou-a intacta com o porteiro do prédio.

Que legal! Agora tenho esse exemplo de cidadania para contar, e não apenas aquele da nossa câmera Canon esquecida num ônibus em Munique, entretanto resgatada sã e salva com todas as queridas fotos de viagem. 

Que sigamos assim, reprogramando nossa cultura do jeitinho. A repaginação mental tupiniquim tá atrasada tipo uns 500 anos. Mas, num país sequelado desses, qualquer conquista a gente vibra. 




Comentários

  1. Incrível Lú, uma sacada essa da ausência de ibope para a Copa, nessa altura do campeonato, aqui em casa só figurinhas, por ora. Muito interessante esse novo futuro que se avizinha. Beijos

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  2. nfelizmente seus próprios pares do tribunal não pensam assim. Só legislam a favor da bandidagem.
    Haja vista ontem mesmo Sérgio Cabral voltando p suas mordomias.

    Márcia Holanda

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  3. Teve minha carteira na sua garagem também =)
    Monsieur

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  4. Querida Luciana, muito legal!

    Eu também sinto essa mudança. Essa questão do respeito à faixa de pedestre, é curiosa.
    Porque, eu nunca vi qualquer campanha nesse sentido. Mas, meio que "naturalmente", e de modo crescente, as pessoas passaram a respeitar as faixas. Isso só pode ser atribuído a uma conscientização. Mas que deriva de onde? Qual é a origem dessa consciência?
    Uma melhora do nível cultural, e da qualidade de vida das pessoas?
    Em Brasília, vocês já têm essa relação com o trânsito de longa data. O que, por essas bandas de cá, é novidade.

    "Lava-Jato", também fico impressionado. Tanto tempo de impunidade geral. Onde o "normal" era o político roubar mesmo!!
    E hoje já não se aceita mais. Muito bom!!

    Tomara que tudo isso passe a valer de modo crescente, e que não seja, aos poucos, esquecido com o passar do tempo.
    Que se torne a regra!!

    E, por fim, essa questão dos objetos esquecidos, e, devolvidos(!) aos donos, talvez tenha relação com as demais.

    Tomara que tudo isso faça parte de uma grande mudança na vida de todos!!

    Beijo,

    Paulo Magno

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