Convicção

 
Cachoeira do Dragão Voador

Tonight the
Super Trouper lights are gonna find me
Shining like the sun
(Super Trouper)
Smiling, having fun
(Super Trouper)
Feeling like a number one
Tonight the
Super Trouper beams are gonna blind me
But I won't feel blue
(Super Trouper)
Like I always do
(Super Trouper)
'Cause somewhere in the crowd there's you
(ABBA)


Tô sabendo que Curitiba amanheceu cinza e úmida como você não gosta. Cenário que pode ser interpretado de forma pessimista pela atual fragilidade da vida. Esqueça. Faça da chuva a minha mão afagando os seus cabelos. 

Passei estes dias pensando em você. Estava em festa e você em luto, digerindo as cruezas do destino enquanto eu me embrenhava na natureza. Oito eram as cachoeiras: oito dragões, o número do infinito, da eternidade. Em todas elas depositei cansaço, preocupações e lágrimas. Levei você comigo, acredite. 

Cada alumbramento era precedido por percalços. Calor, mosquitos, trilhas instáveis e pedregosas. Mas a vastidão do horizonte trazia uma brisa apaziguadora. Os buritis se agitavam em paradisíaca melodia. As veredas eram grandes e delicadas, como o seu amor pela literatura; como a minha reverência por Riobaldo e Diadorim. 

A primeira queda d’água, o portão do Dragão, nos recebeu com a bênção do frescor. Água cristalina que lava impurezas físicas e emocionais e diz: tudo passa! A partir daqui, aberta está a possibilidade de ser maior e melhor a cada passo. 

Na segunda, um olhar de cima, distanciado. Essa sou eu, é você, com reservas e recônditos. Por nós, a água se esvai e com ela os maus presságios. 

A terceira, a Pérola do Dragão. Uma joia resguardada por um paredão de pedras castigado pelo tempo. Assim somos, a cada década vivida, protegendo o que nos é caro como o amor, as amizades, as dádivas de se estar num lugar único no mundo. O poço é profundo e límpido como a alma de um bebê. Aquosa humanidade. 

Na quarta, o coração já está preparado para diferenciar o joio do trigo. O ordinário do exótico, o bem do mal. Não nos demoramos, pois não é sábio perder tempo com o que não nos traz alegria e arrebatamento. 

Um vapor místico e gelado nos recebe na quinta cachoeira, cercada de vegetação intrincada e verdejante. Altiva queda d’água que se torna suave a cada centímetro de descida, a cada pancada na pedra. Assim somos, aprendendo com as quedas, não para nos tornarmos mais duros, porém mais liquefeitos, mais transparentes, mais maleáveis. 

Agora que você e eu já somos água que revolve e envolve os pensamentos, estamos preparadas para mergulhar no âmago da existência e planar com o Dragão Voador, a sexta e majestosa cachoeira. A mais alta de todas, exemplo vivo da imperfeição suntuosa do natural. Porque a natureza não é incólume e, justamente por isso, é sublime. 

Mergulhamos: você no meu colo. Batizo você com o líquido amniótico que brota do centro da Terra. Boiamos e percebemos a clareira azul lá em cima. Inspiramos e expiramos para sorver a vida em três dimensões. 

“Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não leva a lugar nenhum”, dizem os pensadores, dizem os budistas. No meio do caminho havia muitas pedras. E todas acabam de se tornar ínfimas diante da bênção de viver esse momento e compartilhá-lo com você! 

Na sétima, estamos purificadas. Há tempo para se deitar ao sol e se alimentar de luz. A cachoeira é gentil e fria, todavia estamos fortalecidas pela conquista de chegar até onde nos propomos alcançar. Fica a certeza de que realmente tudo é simples e passageiro e que somos nós os vilões da nossa própria história, criando obstáculos para nós mesmos e para os outros. 

O Rei dos Dragões é a recompensa por toda dor acumulada ao longo da vida. Ali, no topo do planalto central, após a subida íngreme que coloca o coração à prova, a oitava cachoeira nos brinda com mãos invisíveis que massageiam nosso corpo moído de sofrimentos e de perdas. As solas dos pés exaustos recebem o carinho da água vigorosa. Um poço de pedra morno e amarelo nos acalenta até o pescoço. Estamos dourados, somos ouro, a alquimia se completa. 

Contemplamos a nossa volta e só vemos o horizonte circular e ilimitado. A trajetória faz sentido, a fúria se cala, o silêncio emana. Renovamos nosso compromisso com o planeta e com os homens, numa atitude de humilde aceitação das coisas como são. Sem passividade, mas também sem agressividade. Guerreiras do bom combate, venceremos todas as batalhas! Não somos apenas você e eu: somos o universo. Convicção. 


Comentários

  1. Ganhei um texto de presente hoje, inspirado nas cachoeiras da pequena e aconchegante cidade de Pirenópolis, em Goiás, pertinho da minha querida Brasília. Acho que nunca tinha ganho um texto de presente antes. Compartilho com quem eu sei que me quer bem e que saberá também me acompanhar num certo resguardo emocional.
    Perdi um bebê dias após ter visitado Piri. Dei à luz meu filho Frederico num sábado de Aleluia. Descobri um câncer de mama na última sexta-feira santa. O próximo evento será de vida novamente. Tenho convicção.

    Ana Cristina.

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  2. Lindo texto e com uma belíssima reflexão de como a Mãe Natureza tem esse poder, de mexer tão profundamente com a gente, basta que estejamos atentos, despertos, não é mesmo?
    Não conheço estas cachoeiras...
    bj.Namastê!
    Cynthia

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  3. É MUITO lindo. Um presente que me emocionou e me que banhou de convicção. Obrigada, Loo querida.

    Ana Cristina

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  4. Nossa, Lu... Como conter as lágrimas logo antes de uma série de audiências, com um texto tão lindo? Estou aqui disfarçando...rsrs Mais uma vez, parabéns. Suas palavras trazem vida a quem as lê.

    Bjs,

    Ana Claudia

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  5. Gostei demais, Lu, arrasou.
    Beijo,
    Mônica

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  6. Prima, que tudooooooo!
    Tô com o coração acelerado! Que texto!
    Vc é muito chique!

    Monise

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  7. Queridaaaaa!
    Que crônica mais extraordinária (tão necessitado se encontra meu espírito desse norte apaziguador, obrigada!) essa, menina, adorei!

    Karla Melo

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  8. Loo! Ao reler esse texto, senti-o de forma ainda mais intensa. É de uma trama textual sofisticadíssima, tendo a natureza que me chama cada vez mais como pano de fundo... Estou aqui, diante de mais um desafio. É a vida me alertando para parar com a procrastinação deliberada e aceitar que não preciso ficar encurvada para os outros serem altivos. Obrigada por dar cor e lirismo ao domingo - chuvoso... Beijo grande!

    Ana Cristina

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  9. Gratidão Lu! Procurei no Google e fiquei encantada...como ainda não conheci esse lugar sagrado?
    Que jornada, linda Lu! Claro que tem que ter seu registro no livro... Parabéns!

    Cynthia Chayb

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  10. Que belo texto, Lú. Sua habilidade em colocar no “papel” o que sentimos é fantástica. São deliciosas suas analogias, são saborosas as suas palavras e, deleitosamente, alimenta nossa imaginação!

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