Meus sentimentos
Defuntou. Bateu as botas. Foi para o céu (ou quiçá pro inferno). Está nas graças de Deus. Melhor do que a gente penando nesse calorão. Descansou. Entregou a alma. Abotoou o paletó. #Partiu!! Desde quando partir ganhou ares de coisa divertida? Mundo bizarro esse que o ir é mais legal do quer o ficar... 
E nos cemitérios vemos de tudo. Ninguém mais faz cerimônia ou guarda formalidade perante o morto. De certa forma, é interessante a tendência contemporânea de dessacralizar a morte. Mas tirar foto de limousine fúnebre para postar no Instagran ou FB, ainda não tinha testemunhado não. O ato de compartilhar momentos virou prisão. 
Faz tempo que me sinto íntima de velórios. Não, não... Recuso-me a ser confundida com uma carpideira. Tem gente que vê muita gente morta e não tem sexto sentido: essa sou eu. Desde pequena. De qualquer modo, poucas situações de vida são tão constrangedoras como ficar confinado neste espaço de dor, flores fedidas e pessoas desconhecidas que só se encontram em ocasiões-limite. 
Com quem falar, com quem não? Hoje, apenas me sento e observo. Reservo-me o direito de ser uma pessoa amadurecida pela reincidência da morte e de jeito nenhum chego perto do corpo no caixão, que nada mais é do que um corpo no caixão. Não me diz nada, apesar de saber da importância do processo de luto, que se inicia publicamente com o ato de velar o de cujus. 
Falando nisso, não é que tinha gente recebendo parabéns no velório? Ironia do destino é alguém celebrar aniversário no dia em que outro ser querido se despede da vida. A mandala de existência promovendo seus encontros e seus desencontros. 
Outra coisa que nunca tinha visto no microcosmo cemitério foi barata subir na roupa de uma pessoa dentro da capela. Mas sempre tem a primeira vez para ocorrências nefastas em lugares inesperados. Se bem que barata gosta de cemitério, a gente sabe. Necrópoles, na real, nem deveriam existir porque são tão insalubres. Se a gente for pensar... Não, evitemos. 
Mas a barata subiu na roupa da menina e a menina foi muito elegante e reservada, quase nem gemeu. Se o ocorrido comigo sucedesse, teria dado berro estridente que faria o povo pensar que o morto acabara de se levantar do caixão. Um escândalo levanta-defunto. 
Parabenizei a garota pela descrição e coragem. Talvez ela se lembre da passagem tragicômica com algum traço de alegria lá pra frente. Por enquanto, ela sofre. Ah, e como sei decifrar esse sofrer... Mas não poderia deixar de registrar fato tão banal e severo da vida. Meus sentimentos. 

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