Deliberare
Passava em frente ao Mercado das Flores no ápice da tarde seca
quando uma coroa moribunda cruzou o meu caminho...
Nasce-se e morre-se nos dias quentes.
Ambas as urgências independem da temperatura lá fora. Ambos os movimentos vêm de dentro.
Penso que a morte no dia quente torna a vida de quem fica ainda mais dilacerante.
As flores murcham no velório escaldante. Camisas se mancham de suor. Lágrimas mornas chamuscam as faces.
É desconfortável abraçar demoradamente num dia quente e tudo o que necessitamos na partida de quem amamos é um gesto de carinho autêntico, desbragado.
Um cemitério árido, implacável, mata um pouco os que seguem na vida.
Nascer num dia quente, por sua vez, é duplamente alvissareiro. Tudo o que se quer é um lugar fresquinho para se aconchegar. O hospital, de repente, torna-se este espaço de acolhimento de alegrias, com suas salas frias. Ninguém se importa com a impessoalidade das paredes brancas, com os longos corredores de portas para o abismo, pois os abraços demoram. O ar resfriado é artificial, mas o sentimento de esperança numa nova semente é humano, genuíno.
Tudo o que a gente quer quando se nasce é que estejamos juntos nessa completude até a hora da nossa morte num dia de chuva, certamente o mais poético.
Santa Bárbara chegou a minha vida quando não era mais sozinha, não era mais casal e sim, uma família com um filho de Marte, avassalador.
Santa Bárbara, Iansã, domou os redemoinhos. A ventania deste filho. A energia vital dele virou acordes, harmonias.
A roda da família e dos amigos nunca parou de girar enquanto registrava os dias e os sentimentos. Penso que fotografo melhor do que escrevo, pois a autocobrança é menor nas imagens.
Tornei-me introspectiva. Falo menos, digito mais. Contive-me até nos gestos de carinho. Agora preciso libertar a afeição e seguir filosofando com abraços e lágrimas. É bom me ver novamente chorando ao ouvir uma canção, ao ler um livro.
Envelhecer sólida e altiva, driblando as dores na curvatura das costas.
Sozinha, não solitária, íntegra e longeva.
Nunca começar com um pedido de desculpas e jamais terminar com “é isso”.
Maravilha de texto, sempre me encanto🙏🥰
ResponderExcluirCynthia
Amo muito! Como emociona minha alma! ❤️
ResponderExcluirUm texto de bela profundidade poética, cheio de emoção e sensibilidade! 😊
ResponderExcluirParabéns! 👏👏👏
Adriano Shulc
Você jamais deixará de escrever bem e fotografar bem, porque a sensibilidade e a acurada observação, fluem com leveza e contundência, pelas mesmas mãos que seguram uma caneta, digita um texto/poema ou registra/eterniza um momento...
ResponderExcluirMarilena Holanda
Adorei seu texto .
ResponderExcluirMe lembrou Clarice Lispector
Muito delicado e profundo ❤️❤️❤️
Karla Liparizzi
Que texto lindo e sensível! 😻
ResponderExcluirQue texto lindo, Lu! Merece ser lido várias vezes! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
ResponderExcluirDulce
Morrer a cada escrita é um ato de coragem! Bravíssimo 👏🏿👏🏿👏🏿
ResponderExcluirGostei tanto do segundo texto... muito lindo!
ResponderExcluirAndréa Bolzon