Bosquejo



Fenda


O amor nunca nunca nunca transbordou.

Ao lado, mas não junto, próximo, ao alcance da mão, dedos esticados, braços estendidos.

O esforço para alcançar amora no fino do galho,

prêmio suado. 

O amor sempre sempre sempre esquivo, disfarçado e indiferente aos esforços 

sempre à distância segura, nunca dentro, perto o suficiente para não ser tragado

para não avassalar 

desfazendo as margens.

O amor nunca nunca o bastante

migalhas, porções, nacos 

resvala, pulsa ao redor

sol que translada, orbita 

mas não abrasa. 

O amor arredio, desconfiado, inquieto 

nunca nunca nunca morada, raiz 

certitude. 




Paleta do cerrado


Azul céu de Brasília em abril

ocre-agosto

amarelo-ipê

marrom poeira de redemoinho

bege folhas secas da mangueira

cinza queimada braba

grafite asfalto molhado

coral flamboyant

vermelho kaliandra 

nude pé de angico 

rosa flor da barriguda

alaranjado crepúsculo Praça do Cruzeiro 

lilás anoitecer no inverno 

branco primeira chuvarada

verde rebrotação.



Visitei a agência de publicidade DPZ no longínquo ano de 1993, como mais uma recém-formada encantada com a área e o talento dos caras que revolucionaram o horário comercial brasileiro. Acho que a geração Coca-Cola, todos aqueles adolescentes dos anos de 1980 que seguiram a profissão, escolheram o curso muito por causa destas três letras, e logo após, do W do Olivetto, sopa que significava o suprassumo da criatividade no Brasil.

Fiz parte desta efervescência, da época “áurea” da propaganda brasileira. Estagiei na Grottera e cia, que contava com redatores e diretores de arte premiados e contas polpudas como Marcyn, Anador e Perdigão.

Era legal acreditar que dava para ser descolado, artístico, culto, antenado e ainda vender pra caralho. Se o Washington era, por que nós não?

Uma amiga do insta me fez lembrar das “Semanas de Criação” sediadas no pomposo hotel Maksoud Plaza, na não menos oponente Avenida Paulista. Com muito esforço financeiro de minha amada mãe, participei de uma delas também neste saudoso ano de 1993. Tudo era sonho de consumo misturado com a utopia de que ser “publiciotário” teria tudo para ser incrível.

O resto é história e dela faz parte, claro, o fenômeno Olivetto, mito que era vivo até ontem, data na qual se foi. Também ontem, Mafalda, cria do inigualável Quino, completou 60 anos. Genialidades que se complementam, que encantam, que nos fazem dizer: puta que o pariu, como não pensei nisso antes?

Acontece que a antevisão é um dom que nunca está em liquidação.




Fazendo uma horinha antes da análise semanal na livraria de rua. Entrei e vi esta preciosidade ali dando sopa. Oba, um livro da Eva Furnari. Fazia tempo que não via um livrinho dela em destaque. Sentei no sofá e comecei a rir sozinha das mirabolices da Furnari. Ela é muito cômica. Daí me lembrei que era dia do professor porque chegou esta parte da história. Simplesmente me amarro nestas sincronicidades. E me amarro na Eva Furnari. O preço do livro era salgado pacas: 82 reais. Mas o professor Bernardones depois me fez refletir que manter uma livraria de rua é um luxo essencial. Portanto, pagar este preço faz parte do nosso apoio aos comércios locais.
Me senti mesquinha, logo eu metida à escritora, mas é que ver gente pedindo nos semáforos com cartaz "sou uma mãe venezuelana" e fazer cara de estátua de pedra (afinal você já doou mil vezes para mil cartazes, hoje não, por favor, sinto muito) e mais tarde, no mesmo dia, desembolsar quase 100 reais num livro me deu dor na consciência. Mas se a gente não ler, como vai ter consciência? Como movimentar o que este país mais precisa que é de livros e de mestres e de educação?
O Brasil é um tapa na cara, um soco no estômago e na semana que vem, antes da sessão de terapia (que faço gratuitamente como cobaia feliz da terapeuta em formação) vou comprar o livro. A Eva Furnari merece, eu também.

Comentários

  1. Ler é preciso, é necessário…ler o vc escreve então, é pra mim fundamental 👏👏👏
    Cynthia 🙏😘

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  2. Lu, quase nos encontramos na DPZ, não fosse nossos aninhos de diferença de idade: fui algumas vezes com meu pai qdo ele era ger. marketing da EMBRAER na 1a fase áurea, dos fundadores da empresa! Ele saiu justamente em 1993… Vc viu bem, naquela efervescência da propaganda bras., quase prestei ESPM (mas a Música já me comandava). Meu ídolo foi depois o baiano Nizan Guanaes, que além da “Pipoca e Guaraná (Antártica)”, declarou em entrevista: “Temos sempre de desconfiar de restaurante onde o guardanapo vem cozido e a comida vem crua!” Kkk Obrg pelas lindezas dos poemas e texto, delícia relembrar com vc!

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  3. Adorei Luzinha, tinha textos que não tinha lido, Olivetto, um deles, fez parte do meu universo, nunca pensei ser publicitária, mas sempre parei pra ver. Mariana ligava a TV pra ver propaganda, parava na hora do comercial e durante o programa, fazia outra coisa🤭
    Penso igual Bernardo, se precisar faço crediário pro dito livro. Estou amando livrarias de rua.
    Como é bom esses refrescos que me provoca. Beijocas e estamos firmes na captação de votos pro 50.

    Renata Assumpção

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  4. A maravilha do amor é ser disforme, universal, incerto.

    Rodrigo Holanda

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    Respostas
    1. Bom Dia Lu , sempre interessante seus textos ! Sempre lindos , levesee gostoso de se ler.

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  5. Vc é mesmo desse universo contemporâneo de Olivetto.
    Os alunos de publicidade eram encantados.
    Eu só lembro desse universo das propagandas de eu preferir o tempo do comercial que das novelas... O comercial era o máximo.
    Até o comercial do rádio era o máximo.

    Catarina França

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  6. Muito lindo o Fenda, Lu! ❤️
    Adorei o texto sobre o Cacoete. Da série, coisas mil passando pela cabeça ao mesmo tempo. Como a gente pensa, né?

    Flávia Alcântara

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