Bonecas
Guardar um pouco do Tempo nos textos.
(Leda Cartum)
A Barbie desconstruída no calçamento de pedras caóticas. Olha para o chão, tensa, enquanto um garoto-corsa vem na direção contrária saltitando leve.
As pedras não estão no meio do caminho dele, mas no dela. As pedras apavorantes, escorregadias, o prenúncio do tombo.
O trauma dos estabacos, das cirurgias e, o mais mórbido, dos excruciantes processos fisioterápicos.
Chuvisca e o limo é uma armadilha. Ela fica para trás da multidão diligente, “sempre em frente, não temos tempo a perder'.
Sente a noite dentro dela. Flashes dos trovões lhe alumiam e lhe escurecem as ideias. Liga e desliga; coitos e contos interrompidos. Interruptor em curto ou surto.
Lembra do papo sobre o cancelamento do verbo esclarecer. Nada a ver. Não enxergo conotação racista. Cegueira branca?
Esclarecer é acionar a luz elétrica em cima de um tema qualquer, acender os holofotes. Sorriu besta, concordando consigo.
O caminho se torna solitário até que a mulher descalça a ultrapassa. Os pés dela imprimem força constante na grama, as sandálias estão nas mãos.
Suas costas nuas e as batatas das pernas firmes são de quem andarilha.
Internamente, a Barbie desconstruída torceu pela companhia daquela mulher hígida até o destino final.
Viraram na mesma passarela para pedestres sobre o canal. Alívio para Barbie naquelas bandas que se tornavam, a cada instante, mais impessoais e sombrias.
A mulher seguia descalça sobre as pedras como se levitasse. Era uma nativa, desenvolta e envolta na própria meta.
Barbie sentia medo da vizinhança exógena. Sarjetas sujas, paredes no reboco, bairro não higienizado, por isso tão brasileiro. Seguia a mulher descalça bem de perto.
Repentinas, as costas nuas da mulher ganharam um rosto.
A mulher virou o pescoço para saber quem bafejava ao encalço dela. Seu olhar era de temor, como são os olhares de todas as mulheres sozinhas na rua, ao se perceberem visíveis aos predadores.
Barbie sorriu para tranquilizar as panturrilhas grossas e se distanciou. Que indelicadeza de sua parte assustar a guia e parceira das trevas.
Resolveu caminhar em paralelo a ela, mas chegou, enfim, a esquina da separação. Virou à direita. As costas nuas seguiram em linha reta, ruminando nossa solidão.
Lindo texto Lulu como sempre arrasando 👌👋🥰
ResponderExcluirDiário da Lu 😍
ResponderExcluirN conheço Parati. Agora conheci um pouco 💕🙂
Karla Liparizzi
Belo texto!
ResponderExcluirDaniela
Showwwww de texto!!! faz com que a gente sinta , vivencie a situação…vc é f*da nesse quesito, né, minha escritora predileta?!🙏💕
ResponderExcluirCynthia
Uma “mais completa tradução” de viver Paraty, parabéns Luciana! Encaminhei pro meu grupo do AngloSJC, onde tem meu colega cujo pai é de familia antiga de lá e cuja cunhada fez o filme “Para ti com Amor”, além de vários outros colegas como eu que vivenciaram tanto essa tensão de turista de andar naquelas ruas de pedras molhadas!
ResponderExcluirElisabeth Ratzersdorf
Muito bom!
ResponderExcluirJá vi mulher "andando" de salto alto pelas ruas. Kkk
Nossa, que delícia!! Leio os seus textos e me sinto no lugar e na situação que está descrevendo, é incrível!! Parabéns, minha amiga!! Vc é fantástica!! Amo os seus textos e amo a sua risada!! Amo vc, LuA!! Vc me faz sonhar com seus textos!!! Obrigada!!
ResponderExcluirFeliz Natal pra vc e família, também!! Que o Ano Novo seja de muita saúde, sucesso e realizações!!! 🎄😘❤️
Luciene Mesquita