Avessos
“Parapira, pote que partiu”
(Clarice Veras)
Ufa, janeiro se foi! Mas não sem deixar seu rastro de destruição. Um asteroide colidiu com Brasília neste primeiro interminável mês do ano que, no derradeiro último dia, completou a devastação: o anúncio da morte de um colega luminoso da UnB, por suicídio. Sim, é preciso escrever a palavra com todas as letras. Fora, tabus! As pessoas se matam, infelizmente.
Aquelas mais brilhantes, mais criativas, mais divertidas também. Talvez até por isso mesmo, por queimarem a energia interna rápido demais. A essência vira carvão, escuridão. Nada é capaz de reacender o fogo para prosseguir.
Chegar à velhice é correr algumas maratonas ininterruptas. Percurso meio desolado perceber-se um pouco fora de tom, de ritmo, de propósito.
Escrevo a ermo e a esmo porque é uma maneira de vomitar meu abalo. Não há justificativa óbvia para desistir de tudo. A gente recebe a notícia e se trinca. Alma se contorce do avesso. As aderências internas que produzem aqueles desconfortos de quem já passou por algumas dores irreparáveis retornam, a gente apalpa as deformações.
Suicídios me deixam muito transtornada. Angústia avassaladora por todos os envolvidos, eternamente enlutados pela impotência. E impotência é foda.
Se já pensei em me matar? Sim. Na juventude, é claro. Ser romântica, trágica e mórbida parecia sublime. Era um modo de gritar carências e abandonos, minha orfandade, meu deslocamento no tempo-espaço.
O filho de uma prima minha se matou aos 15 anos. Um amigo de infância tentou o suicídio aos 14, 15 anos (não deu certo e ele está aqui e bem, ufa!). Dizem, mas não confirmam (olha o veto), que o tio do meu marido também se matou novinho. Há poucas semanas, terminei um livro sobre o luto de uma mãe cujo filhote garotão também...
Mas a autoimolação na fase madura nos estapeia com uma sensação de derrota. Não valeu a pena o balaio de alegrias e de tristezas até aqui. Amizades, parentes, filhos, sucessos e fracassos. Chega desta porra toda. Cancelados.
Não estava doente do corpo, não era terminal. Não recebeu nenhum diagnóstico fatal. Apenas a vida não era mais viável ou nunca tenha sido e o esforço e as fugas já não davam os mesmos resultados.
Não sei, não sei, não sei. Fugi pela tangente da estrada mirando a beleza aleatória do verão. Na rádio do carro tocavam músicas expressivas, como se soubessem e quisessem me acalentar: “amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar”...
A luz praiana, a mornidão da tarde, a voz entrecortada fazendo coro com a cantora.
Voei. Voou o amigo, levezinho, de carona com os anjos.
Tristeza transformada em elegia. Dor se afinou na lágrima. Tudo precede a paz.
ResponderExcluirSinto muito Lu. Temos que seguir. Ninguém é dispensável.
ResponderExcluirPoxa Lu, sinto muito! Nem sei quem é e não saberia nem que vc dissesse., mas o suicídio é devastador!
ResponderExcluirBela reflexão, sensível desabafo.
ResponderExcluirAté hoje não cheguei a nenhuma conclusão sobre o ato.
Morro de pena dos que ficam, imagino á dor da mãe, do pai, da esposa, do filho...literalmente é uma tragédia.
Que Deus proteja á todos e muita luz e paz pra ele.🙏🙏🙏
Renata Assumpção
Textão top!
ResponderExcluirCortante!
Altamente autobiográfico (inclusive para os leitores...)
Lamento pelo amigo.
Infelizmente todos os dias os deixamos pelo caminho... Longa vida, dura as vezes!
Mas apesar de tudo, acredito que vale a pena a viagem.
Ver até aonde vai.
Rodrigo Holanda
PQP, que merda. Suicídio me indigna.
ResponderExcluirAna Vendramini
Linda homenagem! Força para continuar e que ele descanse em paz.
ResponderExcluirBeijocas,
Monalisa Silva
Ficou lindo o texto, triste demais, fica a homenagem para o lindo amigo que agora voa mais livre.
ResponderExcluirMônica Emery
Que texto bonito e tocante, Loo (e as fotos). Muito triste mesmo. Corta o coração saber que alguém achou a vida tão dura, tão sofrida, tão sem significado que desitiu dela. Que ele tenha encontrado a paz que precisava.
ResponderExcluirQue fevereiro venha com fé. Obrigada por seu conteúdo sensível com sensibilidade.
ResponderExcluirClarice Veras
Tema triste, importante se falar…meus sentimentos pelo amigo🙌🌟🙏
ResponderExcluirÉ... Muito sofrido o suicídio para quem vai e para quem fica. Tentar achar justificativas não é suficiente. Às vezes, a vida é sentida como pesada demais e ponto final, literalmente.
ResponderExcluirKarol Simões
Lindo texto. Tema difícil de digerir.
ResponderExcluirMarcia Renault
A morte é difícil, para quem fica, qdo essa morte é um suicídio fica sempre o questionamento será que eu poderia ter ajudado de alguma forma?
ResponderExcluirSinto muito! 💔
Belíssima reflexão do que não falamos e não tratamos! Por mais políticas públicas contra o suicídio! Que possamos pelo menos tentar manter essas vidas oferecendo ajuda! Solidarizo-me com a dor da família!
ResponderExcluirMil bjos da sua fã n. 1,
Anna Gabis