Vulcânico



A música de Villa-Lobos é cachoeira, passarada, é céu azul em sol nascente, é noite de lua nova e  estrelas, é floresta e cerrado, é princípio sem fim de um enorme desejo de encontrar no canto a nossa redenção.
Fabiano Canosa

Passei dez dias no eixo Rio e São Paulo. Foi a segunda vez que curti esta experiência: sair de Sampa rumo à Cidade Maravilhosa. É interessante enxergar as diferenças gritantes entre as duas maiores metrópoles brasileiras, pois elas ultrapassam, é óbvio, as paisagens urbanas diversas de cada uma. Acho que a praia dá mesmo uma leveza ao Rio impossível de se encontrar em São Paulo.

São Paulo não é turística como o Rio, claro, mas confesso que me sinto menos otária andando nas ruas paulistanas. Na cidade maravilhosa, todo mundo parece a fim de ser mais esperto do que você. E o mais engraçado: não é. Essa não parece ser uma impressão só minha. Reclamava com uma amiga sobre a questão na parada de ônibus, no Cosme Velho, quando uma turma de mulheres turistas entrou na conversa para aderir ao coro: “pois é, aqui ninguém dá informação direito para a gente”.

Fato. Meu objetivo era alcançar a exposição Viva Villa! montada no prédio do Arquivo Nacional. Seguindo as orientações básicas da minha anfitriã, saí de Botafogo, peguei o metrô e desci na estação da Central do Brasil. Chegando lá, pensei com os botões do meu casaquinho: agora é só perguntar pro guarda e pronto.

Dois guardas municipais, três policiais numa cabine suja, um sargento e uma primeira-tenente depois eu obtive a resposta: o Arquivo Nacional ficava do outro lado da avenida Getúlio Vargas, ali, ao lado do Campo de Santana (uma praça gigante e majestosamente verde, repletas de cotias, pavões e outros bichanos no centrão do Rio. Deslumbre!). Ou seja, praticamente na cara daqueles profissionais que trabalham nas redondezas todos os dias e não souberam me dizer com preguiça e “exxxperteza” indolente típicas.

Ao menos a exposição celebrando os cinquenta anos de morte do compositor Villa-Lobos estava impecável. Vale qualquer percalço. Tuhu - apelido que Heitor ganhou porque gostava de imitar os apitos das composições - é Brasil total. Um gênio que abraça “o trenzinho que temos no coração”, como bem definiu o curador da mostra, Fabiano Canosa.

Dentro do prédio do Arquivo, uma herança também magnífica da nossa História, foi montada uma composição completa, com cinco vagões: Sertão, Paris, Brasil, Floresta Amazônica e América. Todas as influências e as referências de Villa-Lobos estavam ali resumidas. As cidades nas quais viveu, os lugares que o consagrou e as músicas que compôs em execução, enquanto imagens de um Rio de Janeiro grandioso e romântico, com toda a efervescência das décadas de 1920 e 1930 no planeta, eram projetadas, nos levando àquele cenário propício para o desabrochar de talentos vulcânicos como o de Heitor Villa-Lobos.

Voltei a chorar ouvindo Trenzinho do Caipira porque esta melodia levanta os mortos. Ela aqueceu meu espírito sorumbático quando, num estacionamento vazio e gelado no subúrbio de Nova Iorque, o locutor da rádio de música clássica anunciou em inglês perfeito: “Now, Trenzinho do Caipira by Heitor Villa-Lobos”. Quase tive uma sincope. Ali, tão longe do meu país, num inverno de lascar, ser presenteada com a brasilidade de Tuhu era curativo, um unguento para o banzo.

“O pequeno boêmio do violão” ganhou homenagem digna de sua genialidade. Se forem ao Rio até dezembro, não percam! 

No domingo que vem, conto mais das minhas peripécias sãopaulinascariocas. Até lá!

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