Laranja madura na beira da estrada...




A manhã na qual me portei como laranja. É possível inferir que eu estava amarga, estilo casca grossa, ou me sentindo um bagaço. Talvez redonda devido ao confinamento de João e Maria, na casa feita de doces. Quem sabe na cor alaranjada, de tanto tomar vitamina C em pastilhas efervescentes. Todas essas alternativas têm certa veracidade, mas ontem descobri o que é ser UM laranja, termo de origem incerta, incorporado ao senso comum dos brasileiros pelas manchetes policiais que abundam no país.

Emprestei meu nome para o marido abrir uma nova conta em um novo banco. Digo isso assim de cara lavada, pois ele me colocou como primeira correntista só pensando em facilitar transações entre a instituição na qual recebo meu salário e a nova. Justificou ao gerente que era uma maneira de eliminar a ameaça de pagar CPMF, esqueleto que sempre pode pular de algum armário, jabuti que sobe em árvore e essas coisas esdrúxulas que transbordam no Brasil.

O fato é que meu nome tá lá, mas quem vai gerenciar as transações (não fraudulentas, espero eu, ingênua esposa) será ele. Meu punho e dedos foram gravados na maquininha da biometria, porém a senha ainda não sei qual é. Talvez nem queira saber. Tem uma para o aplicativo, outra para o caixa eletrônico, eu hein, não quero mais um cartão. Não quero mais ter carteira. A pandemia já me fez esquecer o que é carregar uma bolsa pesada nos ombros. Tô sem lenço, sem documento e sem disposição. 

Foi didático ficar com cara de paisagem, sorrindo por trás da máscara como se apatetada fosse. O tal indivíduo desavisado cujo nome é utilizado nesses esquemas de lavagem de dinheiro, saca? Fiquei ali, frívola, mexendo no celular enquanto ouvia o senhor na cabine ao lado, com pinta de fazendeiro, falando de cifras com muitos zeros à direita (ele provavelmente também um direitista). 

Ao meu lado, o marido respondia a uma análise de perfil como se fosse eu, pois está no aplicativo no celular dele (o meu eu só uso para amenidades). Será que o resultado vai apresentar um padrão transgênero? Nome de mulher, mentalidade de homem (mais grave, de físico). Então, Luciana se torna o nome social de Bernardo. Chegamos ao ponto de fusão da Mosca com Brundle (não acredito que tenha me prestado ao papel de inseto). Quimera que o atendente do banco achou estranha, sem dúvida, todavia sorriu quando eu disse que estava ali só como laranja, testa de ferro do cônjuge (a fronte de quem vos escreve é deveras grande). 

O bancário aceitou a farsa porque sabe que casais são um dos espécimes mais exóticos do reino animal. Vide Cabral e Adriana, Witzel e Helena. B. e M. Pra quê discutir com madame?

Faço essa delação sem prêmios para o caso de a PF chegar ao meu apartamento de surpresa, antes do sol nascer. Afinal, não tenho amigos poderosos. Ou se tenho, eles disfarçam bem. Se o marido jogar meu nome na lama, vossas senhorias já estão cientes, tá okei?



Comentários

  1. Caracas... Isso é que é confiança!

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  2. Hahaha. Espetacular, querida amiga laranja. Palmas!

    Marisa Reis

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  3. Só a Lu para nos fazer sorrir com histórias de laranjas.

    Anna Luiza Lima

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  4. Confesso que fiquei confusa quando vi essa laranja, depois, apreensiva e, por fim, rachei de rir. Juízo, vocês dois! Meu nome não empresto pra ninguém.

    Renata Assumpção

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  5. Lu e interessante como vc tem prazer em escrever o que vc escreve no seu blog ♥️

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  6. Bom-diaaaa! Que bom que vc, Lulu, com seus conhecimentos, consegue colocar seus pensamentos no que vc escreve. É gostoso de ler.

    Leila Brandão

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  7. Parece que a PF só está definindo o nome da operação!
    Kkk!

    Araken Werneck

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  8. Hahahaha! Adorei!! Sua laranja querida!

    Fátima Venceslau

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  9. Kkkk...
    "Deixe a senha guardada só pra garantir" , já diria uma mulher prevenida ...
    Queria que fosse assim tb para fazer compras. Eu escolho, vou ao caixa e faço cara de paisagem esperando o dono da conta pagar. kkk

    Karla Liparizzi

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  10. Hahaha, gostei!
    Texto leve e crítico. Eu gosto bastante dessa metáfora de coisas cotidianas com coisas maiores.

    Arthur

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  11. Amei!!!!! Quanto bom humor e perspicácia, minha amiga!! Consigo imaginar sua feição ao ler cada palavra e um sorriso de saudade me vem aos lábios. Queria brindar com um cafezinho na copa apertada para depois voltarmos aos nossos aquários. Enquanto não podemos, receba meu abraço virtual de home pra home. Vc é demais!!

    Mônica Torreão

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  12. Após discussão interna os agentes observaram que a envolvida é goiana. Como é comum em Goiás a junção de nomes , pai e mãe por exemplo, para dar nome aos filhos. A operação será chamada de Lunardo.

    Araken Werneck

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  13. Em tempos de mão de ferro achei muito arriscada a sua estratégia!
    Kkkkk
    Ainda mais fazendo oposição...

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  14. Achei muito engraçado! Mais ainda a parte da cara de apatetada por trás da máscara... kkkk

    Ana Cláudia Loyola

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  15. Esperta. Criou um álibi.

    Valdeir Jr.

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  16. Tá okei? Tá é ótimo!

    Lunde Braghini

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  17. Hahaha, morri de rir aqui, tomando café e lendo para o Cacá. Uma delícia como sempre!

    Cynthia Chayb

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  18. Que maravilha! A ironia sutil e a construção dos cenários. Você evolui a cada dia.

    Karla Melo

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  19. Adorei!

    Débora Cronemberger

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  20. HAHAHAHA, está ótimo!

    Cecília Soares

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  21. Este comentário foi removido pelo autor.

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  22. B. e M. Huumm... Saquei, tá okei?
    Uma transação, a princípio, tão burocraticamente morna, quase sacal, em meio a uma pandemia tão estranha, transformada em um relato divertido, miga. Ha-ha-ha.

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  23. Kkkk AMEI! Nem sei dizer qual trecho é meu preferido, o texto todo é uma ótima sacada! 👏👏👏🧡

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  24. Deitar na rede, de férias, e ficar aqui lendo pérolas do seu blog... Não tem como não nos deliciar-mos com seus textos! Esse tá demais! Álibe perfeito criado! Kkk
    Claudia Valadares

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