Campânula






para Karla, de Sampa


São dez as badaladas da noite. Elas singram o caminho aéreo e entram enviesadas pela janela, onde me alcançam, ainda que haja ruídos de pneu no asfalto e da TV ligada no telejornal. 

Desligo da capital modernista e me transporto para alguma vila colonial baseada nas montanhas. É exatamente o sentimento que o badalo oferta: a cumplicidade com um passado de existir compassado; de temores metafísicos, com odor de velas e pecado. 

Ao menos ainda existem as músicas que atravessam os séculos enquanto aguardamos a invenção da máquina do tempo. Creio que nunca iria ao futuro, que sempre se mostra mais trágico. Ao ontem, no entanto, a atração tem tom sépia, conforto para os olhos cansados de tantas telas brilhantes. 

Os novíssimos retrocessos que ameaçam vingar nos espreitam, “dementadores” de esperanças. À frente, apenas o buraco negro à caça da via Láctea. Aciono o modo paralisia. Nem escrever atrai quando as livrarias fecham e pensamentos obtusos cobrem os vales de fuligem. 

Uma amiga pisca o seu farol para mim, sem saber que era a boia que precisava para não me afogar em meus próprios fantasmas quase sempre sombrios. 

Não, com certeza não era o tipo de texto que ela gostaria de ler esse que expilo como fumaça de chaminé. Todavia é o que temos para o hoje. 

Além de um sorvete marcado para logo mais, às 16h30.


Comentários

  1. Maravilhosa como sempre!

    Fátima

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  2. Tô no mesmíssimo clima. Fugindo e sumindo das realidades que me cercam, na confiança de que tudo é transitório.

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  3. É esse o clima. Difícil de engolir, mas é mesmo o que há pra hoje. Enquanto tomamos nosso sorvete ou café (que é minha preferência), é bom lembrar o ditado (será?): não há bem que sempre dure, não há mal que não se acabe...
    Bj!
    Francis

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