Basta um!
Ó céus, o Natal! É novembro e eu sobrevivo. Não quero montar árvore, não quero comprar presente, tô amuada. Logo eu, uma entusiasta das festas de fim de ano.
A prima de São Paulo alerta: “essa energia atual é pesada”. Pió que é. Sinto a atração irresistível do buraco-negro querendo sugar toda a luz. “Tudo demorando em ser tão ruim”, desde que o samba é samba, desde que o país é país.
O Brasil é uma história azeda desde que eu nasci. A gente releva, a gente disfarça, a gente sublima, a gente finge que não vê, a gente assiste à série finlandesa cheia de neve, a gente viaja, a gente mora fora, a gente tem filho e espera que o futuro seja melhor, a gente entorpece, mas volta a chorar quando a personagem da reportagem ainda mora numa tapera, a verdadeira casa “na Rua dos Bobos, número zero”: sem esgoto, sem e-le-tri-ci-da-de, porém almejando “uma aguinha gelada” para tomar.
Há 40 anos vejo reportagens do Fantástico com os mesmos miseráveis do sertão nordestino. Os mesmos deslizamentos de terra do Sudeste, devolvendo homens, mulheres e crianças ao barro que os modelaram. Parece um eterno deja-vú de descasos, tristezas e maldades. Hoje passo tempos sem passar os olhos no programa da TV Globo. Exatamente para não ter que me deparar com a constatação de que não há nade novo sob o sol da desigualdade brasileira.
Mas vamos ler umas cartinhas para Papai Noel enviada aos Correios pelas crianças das periferias. Vamos entrar no clima da solidariedade comovente de dezembro: fazer caridade e amenizar a culpa de ter nascido bem longe da linha da pobreza.
80% da gurizada, meninos e meninas, querem um par de patins. Se há uma escola com partido, deve ser o partido do fabricante de rollers. Não entendi nada. Que pedido em penca mais estranho ao Bom Velhinho. Patins é algo que se ganha e não se usa. Jamais.
Conta-se nos dedos quem de fato brinca de patins por mais de um mês. Aposto, não, constato: meus sobrinhos e filhos foram desses. Eu fui dessas, com os patins bandeirantes acoplados capengamente ao conga por dois, três fins-de-semana e logo abandonados. Os de bota branca, sonho de consumo das classes C, D e E, destinavam-se às princesas loiras de olhos azuis como a Cristiane, que tinha um motorista a lhe servir na saída da escola.
Quem será que fez a cabeça da meninada para pedir patins em massa? Me revolto com o processo de lobotomia aplicado nos pequenos. Será possível que eu tenha de questionar até cartinha de esmola? Uns dois ou três pediram bicicleta. Aí, sim, vi vantagem. Sou da teoria de que bicicleta deve ser direito inalienável de cada infante do mundo.
Tinha de estar lá na Declaração Universal dos Direitos Humanos: “toda criança tem o direito de ganhar uma bicicleta novinha em folha ao menos uma vez na vida”. A bicicleta como pressuposto para a felicidade deveria ser cláusula pétrea de qualquer Constituição que se preza. Abrir a enorme caixa de papelão que trazia aquela Caloi azul-marinho está entre as memórias mais alegres da minha meninice. A bicicleta é asa, é liberdade, é aventura, é, enfim, sinônimo de infância.
Uma única garota pediu um diário. O desejo me comoveu nas profundezas. Parei de respirar por alguns segundos com aquelas palavras nas mãos. Sempre haverá os dissidentes, os subversivos, os rebeldes, os autênticos. Inconformidade é oxigênio. Renova as células e a esperança combalida. Júbilo!
Lu, seu texto me reportou a minha infância. Eu sempre quis ter um diário, mas temia muito que alguém tivesse acesso ao que eu escreveria. Aproveitando a oportunidade, parabéns por seu texto! Acho que deve ser libertador o dom da escrita. Um grande abraço!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLu!!!! Que maravilha!!!!! Mais uma vez viajei!!!!! Primeiramente no mais puro desalento politico, moral e ético que estamos vivendo e prestes a piorar! Depois encantei-me com as cartas que o STJ tão bem nos traz para que possamos estar próximos dos sonhos desses meninos! Adorei!
ResponderExcluirNo tocante à impecável utilização dos termos jurídicos , bravo!!!!!!!! Devidamente empregados!
Mil bjos da sua fã número 1:
Anna Gabis
Eu ganhei a minha boneca Mãezinha quando tinha 8 anos quase 9. Minha mãe não deixava eu brincar com ela porque dizia que eu ia empichanhar seus cachinhos loiros. Já a bicicleta Ceci veio anos depois. Ah! Ainda tenho a minha Mãezinha como do jeitinho que a ganhei, mais de trinta anos trás.
ResponderExcluirEste texto gostei, achei forte de apelo. Q bom q tem cartas autênticas de crianças pedindo coisas de crianças - uns anos atrás comentou-se que mtas cartas eram escritas por adultos se fazendo de crianças pobres e pedindo fogão, geladeira...
ResponderExcluirNossa, Luciana, acho q pela 1a vez consegui publicar meu comentário e com meu próprio nome!!
ExcluirLu, andei muuuuito de patins, viu ? Para vc ter ideia tive dois!
ResponderExcluirAdorava!
Amei seu texto, mas vc foi radical com os patins. KKK!
Karla
Adorei!!! Aqui já montamos a nossa, nos detalhes da escada, termino hoje. Como sempre seu texto tem tanta verdade, que até corta daqui.
ResponderExcluirNunca parei pra ler as cartas, interessante, pego no escuro sempre. Esse ano vamos montar kits no Centro Espírita e não há pedido certo, só um brinquedo, além da roupa e do sapato. Mais fácil a angústia.
Maria Heloísa
Que artigo mais gostoso/reflexivo de ler...
ResponderExcluirUm abraço querida. Sou sua fã!
Allany
Na faculdade onde dou aula fazemos uma ação social no final de ano e compramos presentes pedidos em cartas pelas crianças do DNOCS, uma favela em Sobradinho. Peguei uma q me comoveu: o menino, de 13 anos, pediu só um kit escolar e uma mochila. Nada de brinquedos. Tristeza. Vou comprar os dois e ainda vou ver um brinquedo p ele. De doer o coração.
ResponderExcluirAna Claudia
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTô me sentindo igual...
ResponderExcluirPatrícia Dellany
Eu era entusiasta do Natal, eu era...
ResponderExcluirCatarina França
É, Lu eu, particularmente, não curto mais Natal por conta dessa desigualdade humana, uns com tantos e outros que nem tem o básico que é pelo menos a comida na mesa! Mas este ano eu acho que vai rolar uma árvore de Natal na casa da Juliana por conta do bruguelinho, que esta encantado com papai noel. Então vamos que vamos entrar nessa fantasia do Bernardo.
ResponderExcluirLeila Brandão
Texto fantástico!
ResponderExcluirParabéns!
André Fachin
Pois é, Luciana, é isso aí! Eu cresci escutando papai falar 'agora vai', e ficava na espera.
ResponderExcluirTb os presentes variavam tanto, fora o diário ninguém pediu um livro? Que triste!
Paula Mello
Bom dia , não seja pessimista, irmã!!
ResponderExcluirMesmo se estiver tudo ao contrário ao seu redor, você não pode perder a pose. Seja poderosa! Pensamentos positivos sempre!!
Marisa Brasiliense
Muito bom como sempre. A única novidade nessa vida por aqui é essa falta de respeito generalizada e assumida aos professores. O resto nada muda nunca.
ResponderExcluirRenata Assumpção
Lu!!!! Que maravilha!!!!! Mais uma vez viajei!!!!! Primeiramente no mais puro desalento politico, moral e ético que estamos vivendo e prestes a piorar! Depois encantei-me com as cartas que o STJ tão bem nos traz para que possamos estar próximos dos sonhos desses meninos! Adorei!
ResponderExcluirNo tocante à impecável utilização dos termos jurídicos , bravo!!!!!!!! Devidamente empregados!
Mil bjos da sua fã número 1:
Anna Gabis
AMEIIIIIIIIIIII
ResponderExcluirAh, as bicicletas! A minha era de freio contra-pedal...
ResponderExcluirMas ganhei um patins que uso até hoje!!!! KKK!
E meu diário tinha capa de veludo vermelho escuro.
Juliana Tavares