O telefone sem fio
A vida é mais sincera e crua que qualquer ficção. Demorei muito para ver o aclamado filme “A Caça”. Atualmente não tenho mais estômago para filmes de sofrimentos densos. Sabia que o argumento do filme envolvia injustiça. E injustiça é algo que me dá nos nervos, me incomoda ao ponto do insuportável.
Não faz nem duas semanas que, enfim, conferi a película. E ontem, porque a vida é mais sincera e crua que qualquer ficção, meu caçula viveu dilemas muito similares aos expostos no filme, porém sem a conotação sexual, ainda bem. Rômulo levou um tombo no colégio e quase perde um pedaço da língua. Digamos que tirou um pequeno filé. Ficou feio. Penso na dor inenarrável que sentiu, no jorro de sangue que tomou sua boca...
A comoção na escola foi imediata. “Ele foi derrubado pelo Felipe Góis, ele foi empurrado pelo Felipe Góis”. As crianças iniciaram o leviano processo de pré-julgamento baseado em indícios tênues: Felipe Góis, o coleguinha da outra sala de segundo ano, estava correndo atrás de Rômulo. Logo, Felipe Góis empurrou Rômulo, que caiu mordendo a língua.
Daqui a pouco a história já estava ganhando contornos mais sinistros. Felipe Góis pegou uma tesoura e cortou um pedaço da língua de Rômulo. E o burburinho tomou conta dos pequenos. A escola mobilizada (tudo isso nos foi contado pela coordenadora pedagógica no momento da saída).
Após o pânico, Rômulo fez questão ( a coordenadora nos disse) de comparecer nas duas salas de 2º ano para explicar que Felipe Góis não era culpado de nada. Eles estavam brincando de pique-pega, Felipe Góis (porque existe o Felipe Pífaro) estava correndo atrás dele, mas não o empurrou. Rômulo caiu de maduro. Caiu sozinho. Felipe Góis absolvido de seu pré-julgamento e provável linchamento público.
Viu como é simples acabar com a honra de alguém? Como é fácil marcar uma pessoa com a chaga da injustiça para sempre? E se Rômulo em seus sete imaturos anos deixasse para lá, sem perceber o tamanho daquele horror e não tivesse contado a verdade? Pior: e se Rômulo estivesse com raiva de Felipe Góis por qualquer motivo e usasse essa situação para se vingar da forma inconsequente que as crianças fazem? Não foi exatamente o que fez a menina do filme “A Caça”? Ai do inocente Felipe Góis nesse momento...
Destruir um ser humano é tão banal que me emudece. O caso Escola Base é apenas um dos sórdidos exemplos do potencial devastador de um mal-entendido levado às últimas consequências.
Não escrevo esse testemunho para receber parabéns pela digna atitude de meu filho (sensação boa ver que nossos valores de cidadania e justiça estão sendo apreendidos por ele). E, sim, como uma reflexão sobre os poderes nefastos do ruído na comunicação, da mentira, do telefone sem fio, das fofocas inconsequentes.
Que estejamos sempre alertas para não cair nessa doce armadilha posta à prova em cada curva do caminho.
Toda reflexão que culmine em atos de sincera justiça e humanidade do tipo “se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga a todos que explico”, vale a pena, Luluzita.
ResponderExcluirBeijos
Marcita
Ele mordeu a língua conotativa e denotativamente. Lindo de se ver e merece elogio, sim! Culpa bonita sua e do Bernardo a atitude dele. E um exemplo para nós, velhacos, que desaprendemos com o passar dos anos que falar a verdade é sempre a melhor saída.
ResponderExcluirLindo texto, Lu. Lindo filho.
Merecia hoje estrelinha de boa mãe pregada na testa!!!
Juliana Neto
Boa, hein Rômulo!!!! Continue assim!
ResponderExcluirPatrícia Ayres
Todos os méritos sim pro Rômulo, que mesmo em sofrimento , não se deixou contaminar pela massa...manteve-se na atenção plena da realidade,fez justiça!
ResponderExcluirbjs Lu, Namastê!
Estou no mosteiro de São Bento, em Vinhedo, estarei em meditação pela paz, justiça e pela língua do Romulito....tadinho!
Sou eu Cynthia
ResponderExcluirQue linda a atitude dele. Já mostra desde cedo ser uma pessoa de caráter. Precisamos de pessoas assim para tornar o mundo um lugar melhor :)
ResponderExcluirbjs
Fabs
Lu que loucura essa do Romulito! Ainda bem que cicatriza rápido de preferencia nada de alimentos ácidos e sim gelados pra sarar mais rápido...Que susto, imagina a quantidade de sangue...Melhoras pra ele e muitos beijinhos...
ResponderExcluirtia Leila
gostaria de dizer que sei a sua intenção neste texto e acho que não posso deixar de elogiar você e Bernardo pelos valores passados aos seus filhos, valores estes que são fundamentais para uma vida digna e de sucesso.
ResponderExcluirBeijos e parabéns!
Rogelma
É Lu, a importância, do parar, respirar, para ouvir o outro lado!!!
ResponderExcluirDepois podemos conversar mais sobre isso, que tenho experiências a contar... Bjs...
Catarina
Lulu, você como sempre arrasando na escrita ( e não é bajulação não, porque eu não sou dessas ;))
ResponderExcluirBelo relato, sensível e verdadeiro!
Melhoras para Rômulo, imagino o susto... ou melhor, acho que nem imagino...
Beijo grande.
Rosa Encarnada.
Excelente, Lu! Parabéns e melhoras ao Rômulo.
ResponderExcluirGabriela Jennings
Aqui no DAE a gente inventa (de sacanagem mesmo!) umas estórias e vai mantendo o enredo ao longo dos anos... O povo novo que entra jura que é verdade e não adianta a vítima tentar provar que é mentira (risos)
ResponderExcluirCredo! Quando é brincadeira inocente pode até ser interessante, mas realmente é muito fácil destruir alguém. A imprensa não destrói todos os dias? E constrói também, dando méritos a quem não tem.
Melhoras para o Rômulo... Capetinha!
Aplaudo a atitude do Rômulo. O silêcio seria tão mais fácil... Afinal, a língua estava machucada. Melhoras para o garotinho tão corajoso.
ResponderExcluirEvelyn
ótimo texto :)))
ResponderExcluirFabiana
Lú, acabo de ler seu artigo, não consigo comentar no seu blog e nem no seu face rsrs. esse programa windows 8 não me acostumo,
ResponderExcluirabre um monte de janela o tempo todo...ou meu pc está com problemas.
Adorei como sempre, concordo com tudo que escreveu, que linda lição deu o Rômulo à todos.
espero que ele esteja bem.
bjcas,
Renata Queiroz
Muito bom!!
ResponderExcluirInaê