Bolo e missa

Entrei no mês 40. Daqui há pouco atingirei o que antes creditavam como metade da vida. Serei uma jovem senhora de 40 anos. Essa idade mitificada, temida, angustiada. Mas é estranho porque não me sinto com 40 anos. Não estou sentindo nada de anormal em fazer quatro décadas de vida. Sabe os velhos clichês do tipo: “parece que foi ontem”. Pois é, pior – ou melhor – é que é isso mesmo. Não estou acreditando que já vivi tudo isso.

E não foi uma vida fácil, vamos combinar. Muitas perdas, muitas lacunas. Quando estava tentando encontrar uma terapeuta legal, eu ficava chocada com a minha ladainha: aos 11 meses morreu meu pai; aos nove, o único avô que beijei; aos 17, meu substituto de pai (o marido da minha irmã mais velha); aos 34, minha sobrinha Luísa; aos 39, minha mãe e minha madrinha. Espantoso.

Mas nem assim eu estou sentindo o peso da idade. Só da saudade. E do abandono (matéria para 300 sessões terapêuticas). Contudo, completar 40 anos é bom. Não sei ainda bem pra quê, porém deve ser bom. Só fico preocupada é com os meus filhos, ainda na tenra infância... Medo de faltar para eles. De ser eu a abandoná-los porque já estou mais pra lá do que pra cá.

Mas, bah, não é pra soar melancólico. Só reflexivo. Não quero que vocês pensem que eu estou deprimida por fazer 40 anos. Não é isso. É engraçado como a palavra escrita está sujeita a uma quase ilimitada possibilidade de interpretação. Não é nada disso.

Ontem estava com uma boa amiga, jogando conversa dentro, não fora. Dentro do coração. Era uma troca verdadeira, divertida, confortável. Estava feliz por estar à beira dos 40 anos e ainda retomando velhas amizades congeladas no tempo. Sabendo que eu ainda era capaz de fazer uma amiga sorrir, gargalhar. Pegar na sua mão sem medo de ser piegas.

Mas esqueci, embalada por tantas divertidas histórias de ambas, de lhe dizer: obrigada por estar aqui comigo, abrir sua vida para eu entrar novamente. Como se a gente sempre estivesse juntas desde a faculdade, e não reapresentando nossas almas depois de 20 anos!!

É por isso que eu acho que essas quatro décadas passaram muito depressa. Ainda ontem a Marisa e eu formávamos uma parceria para a vida toda e registrávamos em foto nossas tatuagens de mentira. Ainda ontem, Débora recebia meu presente: um livro do Mário Quintana. Era seu aniversário de 25 anos.

E ontem mesmo, de fato, ao escrever uma matéria sobre aposentadoria para o jornal do meu trabalho; ao entrevistar aquelas pessoas aposentadas e bem resolvidas, com tantos planos de viagens, amizades e atividades voluntárias, eu me projetei e incorporei os testemunhos.

As palavras que eu coloquei no meu texto jornalístico se tornaram um mantra para se recitar a partir de agora, quando 40 representa uma jornada sem volta rumo à velhice: “A minha mente é jovem. Quero pular carnaval e fazer novas amizades”.

Vou apagar as múltiplas velinhas da vida como a minha madrinha, que fez questão de celebrar, com bolo e missa, todos os 95 anos de sua gloriosa existência.

Comentários

  1. Que amor, Lulu... Eu retribuo sua frase: "obrigada por estar aqui comigo, abrir sua vida para eu entrar novamente". Acho que essa alegria mútua mostra que sempre permanecemos de alguma forma na vida da outra! É uma baita sorte que, depois de tantos anos, as afinidades pareçam ainda maiores. Adoro você! Beijos! Débora

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  2. Pois é, 40, não é fácil... não me sinto também com essa idade... detesto qundo escuto de algum desconhecido: "A senhora tá na fila?" Que horror! Dá vontade de respoder igual a Dercy Gonçalves responderia...rs... Só perdôo meus alunos que assim me chamam, mesmo quando eu era bem mais nova, só por respeito mesmo, pelo fato de eu ser a professora. Em geral acontece quando eles têm o hábito de chamar a mãe de senhora também... é até bonitinho: "A senhora já corrigiu as provas?" Não é diferente?...rs...
    Agora você viu aquele jogador antigo, o Rivaldo? Acaba de ser contratado pelo São Paulo, aos 38 anos... sabe qual é a idade biológica dele? 29 anos... que tal fazermos um teste e, se descobrirmos que nossa idade biológica é inferior à cronológica (o que eu espero), podemos ficar mais felizes? Não ligue não, Luzinha, somos muito jovens!!!

    Beijos,

    Patty

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  3. Ai, Loo, ainda bem que você me colocou nesse texto, porque eu já estava m-o-r-t-a de ciúmes - pra ficar no nosso assunto da semana - da sua amiga da conversa adentro, a Debinha (oi, Debinha, desculpaê)... :))
    Poisé, eu sempre lembro, nesse lance de idade, daquela música do Miltinho, Mulher de 30, "você mulher, que já viveu, que já sofreu...", tipo "que já tá acabada, morta e quase enterrada". É curioso como a gente não sente a idade, ou melhor, a idade que a gente tem (no meu caso, 40 e exatos 20 dias) não corresponde à ideia que fazíamos de ter essa idade. Tenho 40 e me sinto a mesma de 1 mês atrás, quando tinha 39 (quase a mesma, tem me acontecido tanta coisa estranha, tenho tido tanto insight...). Mas vocês me entendem, aposto. Quem tem 30 deve ter sentido o mesmo, porque quando fiz 30 tive esse espanto, parecia que eu tinha 25 (só depois notei que estava tendo mais dificuldade para emagrecer, mas isso é outra história...).
    Beijocas, amiga, te espero aqui, nos enta (mas com corpinho de inta, quiçá inte).

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  4. Má, pelamordedeus, fique ciumenta não que você tem uma bagagem de conversas adentro incontabilizável e insuperável :) Eu já falei para a Lulu que admiro pra caramba a amizade de vocês, tão forte desde o primeiro momento, e tão duradoura. Aliás, ainda bem que vocês se gostam tanto, porque é incrível como o destino sempre aproximou as duas das formas mais sobrenaturais, né! (vide a vizinhança no Sudoeste!)
    Quanto aos dilemas dos "enta", logo ali em julho eu também vou estrear nessa faixa. Caramba. Acho bizarro, mas tenho tentado ver pelo lado divertido, pois me sinto a mesma de sempre. Acho que é assim que todas vamos nos sentir mesmo aos 90: as mesmas de sempre. Com novos aprendizados, óbvio, mas com a mesma base de personalidade. Então, um brinde às novidades boas da vida independentemente de contagem numérica. Que venham os "enta"! Felicidades para nós! Bjs, Débora

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  5. Ai, que chique ficar acolhidinha bem no meio da amizade dessas duas, me disputando assim... Isso é mais do que o mastercard um dia sonhou... Não tem preço mesmo!!!! Mas fiquem tranquilas porque amo as duas com devoção e lealdade. Forever and ever!!!!

    Um potinho cheio de alegres lágrimas para as minhas Má e Deboratti!!!

    Loo e Lu

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