“Quebrou? Osaka conserta!”*

A minha primeira vez foi nos EUA e, depois, nunca mais parei. Pegadinha manjada, mas irresistível. Só que tô falando é da venda de garagem...As “garage sale”, que vemos nas centenas de faixas brancas e amarelas que poluem o visual da cidade. Nessas horas penso por que o brasileiro acha natural nomear as coisas em inglês quando a língua pátria já nos fornece tantas possibilidades... Meu filho Tomás, tadinho, é sempre o Thomas. Mistério...

Pois é, acabei fazendo o que considerava um crime inafiançável: também poluí minha cidade, rasgando o passado de militante contra a degradação visual...Teve época em que saíamos, Bernardo e eu, arrancando tudo quanto era faixa que parecia brotar da geração espontânea nos balões, retornos, cruzamentos. Taí, não esperava por isso: encomendar e pagar por duas faixas amarelas de chão para anunciar uma venda de garagem.

- Garagem sale, você quer dizer? – perguntou o rapaz da loja de quintal, ou melhor, de subsolo ao anotar o texto que eu estava ditando.

- Não, venda de garagem mesmo. (Também não dava para me corromper por completo, né?)

Mas subtraindo a parte famigerada, as vendas de garagem são uma solução criativa e divertida de repartir com os outros, o que não nos serve mais e ainda descolar uns trocadinhos. Um costume do hemisfério norte que não faz mal nenhum que adotemos. Se não fosse as garage sales do estado de Nova Iorque não poderíamos ter montado o apartamento em Larchmont. Os preços dos móveis nas lojas em Manhattan digamos, eram “roliudianos”.

Sempre gostei de mercado de pulgas, feiras de artesanato, antiquidades e quinquilharias. Bobeou, estou lá, fuçando em tudo...Mas nunca havia conduzido eu mesma uma venda de garagem completa. No máximo, pequenos brechós nas festas familiares. Escambos entre irmãs, primas, tias.

Entretanto precisávamos esvaziar a casa de mamãe. Tarefa dolorida que urgia ser suavizada pela presença de pessoas estranhas, desavisadas do nosso luto. E assim foi. Por um triz perigou ser um fracasso: algum infeliz roubou uma das minhas ultrajantes faixas amarelas...Ai, ai, Jesus, ninguém vai aparecer nessa garagem...

Entretanto, para a felicidade geral da força-tarefa formada por minha irmã e eu, estava enganada. Choveu gente interessada. Porque, para dar certo, anotem aí, a venda de garagem só precisa de uma boa propaganda local. Se você colocar uns cartazes na porta do condomínio, na entrada da rua, no portão da casa, na entrada da quadra, na beira do bloco, você já fisga um público razoável de curiosos que compram.

O fenômeno do consumismo analisado de perto. A gente percebe que a galera compra mesmo sem saber porque está comprando. Tá barato, sai! Ainda que seja um conjunto de fondue incompleto, xícaras de café sem pires, cadeira de lona horripilante e sem funcionalidade. Não importa. Aliás, a lógica, numa venda de garagem, não existe. Aquilo que você acha que vai sair primeiro, porque é bonito e diferente, é o que não sai de jeito nenhum, nem colocando na xepa.

De repente era tanta gente passeando, bisbilhotando e revirando objetos na casa de mamãe que tudo parecia uma festa. Quem dá mais, uns pechinchando, outros levando...Na hora do almoço a casa já não tinha móveis para sentar. Esparramamo-nos no chão de cerâmica fria, bem-vindo nesses dias escaldantes de secura e calor em Brasília. No final, lá pelas seis, ainda apareceram os que tinham “acabado de ver” os cartazes pregados no poste.

- Ainda tem alguma coisa?

- Serve a gente?

A casa de mamãe ficou quase pelada, as vendas foram um sucesso e minha irmã e eu, descabeladas, mortas de fome, exaustas e cobertas de poeira estávamos com bolso cheio de dinheiro de igreja: “Faz o botijão por R$ 33,00 em moeda?” Restamos as duas, a sala vazia e uma mala gigante. Ninguém se aventurou a carregar três malas sem alça nesses tempos de cédulas nas meias. Nem de graça.

* Bordão publicitário de uma loja de consertos de aparelhos eletrônicos de Brasília. O lugar todo parecia uma venda de garagem com TVs, aparelhos de som e outras coisas do tempo do ronca.

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