Brasília teimosa

Eu costumava ser orgulhosa do fato de ter nascido em Brasília. A cidade e sua arquitetura única e mal-compreendida parecia perfeita para mim, que sempre procurei a diferença; que sempre me atraí por pessoas, estilos e caminhos alternativos. Brasília e eu éramos complementares em nossa indignação e rudeza. Porque Brasília parece fria e concreta demais aos olhos desavisados, mas doce e acolhedora na face escondida que mostra apenas para os mais corajosos. Brasília costumava ser uma metáfora de mim mesma, tentando brilhar num horizonte que não dá muita bola para os ousados de plantão, a flor rara do cerrado.

Ter nascido aqui surpreendia as pessoas. Eram incomuns os brasilienses e isso me destacava, assim como ser canhota e ter o rosto miscigenado, traços que me ajudaram a construir uma identidade muito particular. Porém, durante os longos e tenebrosos anos do governo Roriz, Brasília foi se tornando uma cidade como as outras, com suas mazelas, favelas e falcatruas. Uma cidade que entrou em um processo de enfeiar-se a cada novo assentamento, a cada novo condomínio irregular, a cada novo outdoor ferindo a paisagem.

As casinhas, casebres e casões de classe média alta não pouparam áreas de preservação ambiental. Todas elas na mesma fúria insana de passar com tratores de terraplanagem por cima da cidadania. O império do mal-gosto, da falta de planejamento urbano, do desrespeito com o bem público maior – a qualidade de vida da população – tinha se instalado como um tumor maligno. O governo do Distrito Federal passou a representar, em escala menor, o Brasil da corrupção, da falta de ética e de dignidade.

E então eu deixei de amar a cidade. “Narcisa” achando feio o que não era espelho. Eu não me identificava mais com Brasília. A capital estava deixando para trás sua vocação de sonho realizado, de utopia, de uma nova civilização de onde jorraria sal e mel. A profecia de Dom Bosco havia sido humilhada por um degradante condomínio de classe média erigido ao lado da ermida.

Entretanto, para minha surpresa, Brasília anda reagindo à falta de civilidade. Não votei em Arruda, que fique bem claro. Continuo desconfiada de um homem que chora lágrimas de crocodilo na casa-mor da crocodilagem brasileira: o Congresso Nacional. Mas outro dia, ao dirigir, pude apreciar um movimento pró-azul-do-céu. Tombadas ao longo das avenidas estavam aquelas horrendas estruturas de ferro. Os outdoors tinham, enfim, sido abatidos. Que felicidade! Parecia o fim de uma guerra. Os inimigos inertes no chão.

As calçadas também estão sendo restauradas, num claro sinal de que a cidade não é mais apenas a capital dos carros, o que faz Brasília mais humana e fecunda. E as pequenas atitudes, como a celebração dos dez anos da faixa de pedestres, nos convida a acreditar que todo o mal feito a Brasília um dia vai ser redimido. Vamos voltar a nos orgulhar de ser brasilienses de fato ou de coração. Uma boa desculpa para repensar a relação de amor e ódio com a minha terra natal e escrever bobagens.

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