Há quase um mês não escrevo um texto. Assim começava a minha coluna para  este blog, varando a madrugada no quarto do hotel Ibis-Mitch em Berlim.  A crise de abstinência me assolou no meio das férias e, viciadamente,  derramei palavras num verso do papel da reserva que estava dando sopa  por ali, resgatando o sadio e obsoleto hábito de escrever à mão.
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| Postdamer Platz | 
Entretanto, o original se perdeu no meio da bagagem, dos  mapas e papeizinhos diversos que acumulamos ao bater perna pelas  cidades européias. Provavelmente meu caro esposo tenha jogado meus  escritos fora junto com outros lixos sem se dar conta (assim creio para  não colocar em crise o casamento). E agora estou lutando para recuperar  um pouco da vivacidade do que tinha captado da capital alemã no calor da  hora, ou melhor, no frio daquelas horas.
Pois é, estou de volta ao hemisfério sul após 18 dias passeando pela  Alemanha e adjacências. Aviso aos navegantes: um domingo só não bastará.  Vem aí uma pequena série de divagações sobre esta viagem fora de série.  Trocadilho infame, all right, mas necessário.
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| Torre da Alexander Platz | 
Berlim causa enorme impressão. Tudo nela é vasto:  praças, parques, edifícios. A Alemanha é verdadeiramente um país sólido,  maciço. A gente toca os séculos de história em seus prédios robustos,  belicamente imponentes e ameaçadores. Nada esconde a vocação do país  para a guerra e seus eventos trágicos. Talvez, por exibir tanto peso nos  ombros, a cidade venha erguendo, nos últimos anos, edificações como  Picassos. Estruturas desconjuntadas e inéditas. Metal, vidro e muita  audácia arquitetônica. Deslumbres que se ajustam de forma harmoniosa com  o ontem ao lado.
Caminhar nas ruas de Berlim é participar de uma "festa estranha com  gente esquisita" permanente. Tipos urbanos pra lá de cosmopolitas  compartilham os espaços públicos sem nenhum tipo de patrulha ideológica.  Punks que nos remetem ao tempo em que "Sid e Nancy" estava em cartaz no  Karim da 110; loiras de fato: belezas que chamam a atenção com suas  maquiagens carregadas e roupas montadas.
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| "Anjo sobre Berlin" | 
Turcos, muçulmanos, asiáticos... Cabelos vermelhos,  azuis, verdes. Enfim, estava conferindo o que imaginava quando li  Ignácio Loyola Brandão na minha vida provinciana de adolescente da 715  sul. "O beijo não vem da boca", "O verde violentou o muro"... A Berlim  de Loyola não era mais uma personagem de ficção.
Impossível não achar em Berlim nossas referências essenciais de ser um  humano num planeta que ferve em forma e conteúdo. Daí cantarolei  Caetano: "Anjo sobre Berlim/O mundo desde o fim...", admirando a deusa  da vitória pairando sobre a cidade em seu perpétuo vôo dourado. Uma  canção que leva a Wim Wenders e à sua celebração de amor à capital alemã  e ao cinema: "Asas do Desejo".
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| Ilha dos Museus | 
Só sei que aquelas alles, strasses e platzs berlinenses reúnem o antes, o  agora e o depois, comprovando que podemos respeitar as diferenças e  ainda assim sermos coletivos. Será que tanta guerra teria ensinado aos  alemães este equilíbrio?
Este texto não é mais aquele que passou. Ainda bem que tudo muda e, no caso da Alemanha, para muito melhor.
 
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